7 de fevereiro de 2015

Monteverdi: Vespri di San Marco (Naïve, 2014)




Concerto Italiano, Rinaldo Alessandrini (d)


Realizado por Claudio Rufa, o documentário “L'umano e il suo divino” – nesta edição em DVD – abre com planos suspensos na arquitetura renascentista de Mântua, sobretudo a do Palácio Ducal dos Gonzaga, até que se fixa nas costas de Alessandrini, de cabeça tonsurada, errando como um monge pelas ruas que conduzem à Igreja de Santa Bárbara. Perdido nos caminhos da fé, é um primeiro momento de eminente simbolismo pois trata de um distanciamento que se produz por si mesmo. O que leva o maestro ao endereço em que Claudio Monteverdi se empregou é esta reconstituição de um ofício litúrgico consagrado a São Marcos, largamente imaginado e com perversa sede em Veneza, num posterior posto do compositor. Pensado para promover uma dramatização do espaço acústico, o inquérito ao sublime passa por uma investigação à hipotética ressonância do local de devoção, sabendo Alessandrini que Monteverdi tinha um interesse estrutural em esculpir uma determinada energia, em apresentar uma retórica idealista cuja identificação do estilo certo muito diz acerca da correção deste disco. Passando por obras da “Antologia Moral e Espiritual”, como o “Magnificat”, os trombones dão aqui voz ao veludo e os cornetos, menos protocolares que o costume, são uma etérea decantação das húmidas subjetividades do canto humano. Mais à frente no DVD, Francesco Antinucci, diretor no Instituto de Ciência e Tecnologia da Cognição, cozinha a partir do livro de receitas de Bartolomeo Scappi, o chefe do ascético Papa Pio V. É uma segunda ocasião emblemática no filme pois mais não diz que o sucesso do pato recheado com ameixa, por exemplo, depende de especulações análogas às de Alessandrini: no fundo, tudo o que o permita aproximar-se daquelas possibilidades essenciais de que se diria ser a sua própria existência a separá-lo.

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