28 de fevereiro de 2015

Moulinié: Meslanges pour la Chapelle d’Un Prince (Harmonia Mundi, 2014)




Ensemble Correspondances, Sébastien Daucé (d)

Não se trata propriamente de um compositor bafejado pela fortuna fonográfica, este Étienne Moulinié (1599-1676), quanto muito figurando em antologias consagradas àqueles airs de cour e airs de ballets que se ouvem como uma introdução à etiqueta cortesã de um mundo pré-Versalhes. A propósito, a par de Antoine Boësset, François de Chancy ou Louis Constantin – aqui simbolicamente presentes, conquanto a sua marca pareça feita por contraste – dá-se com o seu nome de forma casual em representações do alvor do barroco francês que procurem afastar a sombra de Lully. Dir-se-ia até possuir a vagueza própria dos períodos de transição, a sua obra, de que deu mostras de adquirir consciência precisamente na introdução da sua testamental “Mélanges de sujets chrétiens, cantiques, litanies et motets, mis en musique à 2, 3, 4 et 5 parties, avec un basse continue” – que, em 1658, dedicou a Margarida de Lorena, segundo casamento do seu patrono, Gastão, Duque d’Orleães – quando escreveu: “No que concerne ao meu peculiar modo de compor, sinto-me obrigado a observar que os mais arrojados dos meus gestos podem afigurar-se algo licenciosos aos olhos daqueles que preferem a austeridade da maneira antiga face aos prazeres da nova.” Aliás, escutar esta seleção de algumas das suas páginas – cujo texto, compósito, não deixa de surpreender – é como subitamente encontrar a tabuleta que aponta o caminho de Charpentier, Marais, François Couperin e Rameau, ainda que num quadro de paradoxal puritanismo e desarmante sutileza; longe da corte, e das suas tóxicas relações, é como viver olhando os lírios do campo.

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