22 de agosto de 2015

De La Guerre: Chamber Music (Pan Classics, 2015)



A cena não é difícil de imaginar: em Versalhes, c. 1670, por entre perucas brancas e apliques dourados, Claude Jacquet, organista e proprietário de uma luteria, conduz uma menina pela mão até ao cravo, miniatura de madeira exótica num mundo de mármore e porcelana. Ela começa a tocar e Luís XIV finge prestar atenção até ao momento em que presta mesmo e em que o silêncio em seu redor se desfaz em sedas. Aos cinco anos, Elisabeth-Claude Jacquet era um concentrado de delicadeza, engenho e fantasia. Deliciado, o Rei Sol concede-lhe uma subvenção vitalícia e, acenando com a cabeça a Madame de Montespan, assegura-lhe a educação. Há um relato de julho de 1677, publicado no Mercure Gallant, em que se conta que ela lia “a música mais difícil à primeira vista”, que, ao cravo, se acompanhava “a si mesma e a outros tocando de um modo inimitável”, que compunha “peças originais” e que as interpretava em “qualquer tom que se lhe pedisse”. De modo atípico, até, e tudo isto se conta em “Five Lives in Music”, de Cecelia Hopkins Porter, Elisabeth manteve uma carreira de instrumentista, compositora e tutora mesmo após o seu casamento com Marin de La Guerre, em 1684. Para a posteridade fica a fama – e a descrição das suas “improvisações de meia hora” em concorridos ‘salões musicais’ – e parte de uma obra que representa um momento perfeitamente pivotante na produção musical do seu tempo: o da réunion des gouts entre os estilos francês e italiano, em que se distinguiu e de que são exemplo precoce as suas preclaras sonatas e suítes para violino e cravo. Nasceu há 350 anos e consigo ainda se aprende.

Sem comentários:

Enviar um comentário