1 de agosto de 2015

Murail: Le Partage des Eaux; Contes Cruels; Sillages (Aeon, 2015)




BBC Symphony Orchestra, Netherlands Radio Philharmonic, Pierre-André Valade (d)

Nas notas de apresentação da extática “Le Partage des Eaux”, Tristan Murail professa aprovar qualquer interpretação desse título, menos uma: “Pode ser entendido de modo metafórico (a análise acústica da hidráulica), geográfico (um divisor de águas), psicológico (as separações nas nossas vidas). Todas estas definições se adequam, à exceção de outra que quero tornar bem clara, pois fui já mais do que uma vez por ela confrontado: não, isto não é um poema sinfónico baseado na travessia do mar Vermelho pelos hebreus quando escapavam ao faraó!” Dir-se-ia que há no anúncio desta prerrogativa um calculado deslize: a admissão do qualificativo “poema sinfónico”. E que o seu objetivo é evidente: distanciar esta música das presumíveis platitudes melódicas de Debussy e desviá-la rumo às putativas plenitudes tonais de Richard Strauss. E porque o romantismo parece aqui acessório face à necessidade de refinamento do magma orquestral, não deixa de ser um expediente narrativo ardiloso. Inspirada na onda que rebenta e se espraia, trata-se de uma obra marcada por fluxos e refluxos, expressiva e evocativa, cheia de cor nos seus timbres e coerência na sua estrutura, espumando os sentidos com as suas cúspides e logo os escumando com a simulação da esteira, o rastro sonoro que deixa na água a embarcação ao deslizar. Só na aparência mais narrativa mas não menos sintética e sistemática é “Contes Cruels”, para orquestra e duas guitarras elétricas (Wiek Hijmans e Seth Josel) que recorrem a processadores, moduladores e outras dores. Possui um ágil e ominoso motivo sugerido pelas sílabas de ‘era uma vez’ e uma lógica interna pronta a antecipar a desatenção. Já “Sillages” avoca a energia concentrada dos jardins de pedra de Quioto, nus, secos, pouco mais que gravilha e granito, em busca da essência das coisas, com o silêncio como detonador.

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