16 de janeiro de 2016

Dutilleux: Tout Un Monde Lointain (Harmonia Mundi, 2015)


Porventura uma das mais fascinantes obras concertantes para violoncelo dos últimos cinquenta anos, “Tout un monde lointain” chegou já com as impressões digitais de Mstislav Rostropovich, em 1970. Ficou, aliás, célebre um LP da HMV em que “Slava” a apresentava em disco conjuntamente com outra encomenda sua, o “Concerto para Violoncelo” de Lutoslawski. Digna da época que as viu nascer, a perspetiva inicial sobre as peças era dialética, sugerindo-se que tratavam de representar o conflito entre indivíduo e sociedade – entre aquele que aspira a ser livre e aquilo que o mantém prisioneiro. Hoje dir-se-á que se dispensam estímulos externos para que no íntimo de cada um se desencadeiem impulsos tão contraditórios, mas para sustentar semelhante visão bastava na altura ler os jornais (no caso do polaco) ou indicar uma fonte de inspiração (no caso do francês). Fala-se, como é óbvio, do enlace algo fortuito com os versos de Charles Baudelaire. Afinal, Henri Dutilleux (1916-2013), cujo centenário de nascimento se assinala na próxima semana, tinha-os em mente para outra composição: um bailado, a estrear no âmbito das comemorações dos 100 anos da morte do poeta, em 1967. Abortado o projeto (como Baudelaire escreveu, “A arte é longa e curto o tempo”), Dutilleux aproveitou as suas leituras e transferiu para aqui a sua atmosfera. Em termos programáticos é por um triz que “Tout un monde lointain” não procede inteiramente de “As Flores do Mal”, a começar por um título que remete para “A Cabeleira”: “Todo um mundo longínquo, ausente, quase morto/ Vive dentro de ti, ó floresta aromática”. E a essa poesia em que tanto ressoa – de perfumes “doces como oboés” e “fanfarras estranhas” a “uma nota bizarra” ou de “suspiros de flauta” e “almas em surdina” a “orquestras a roncar” – extrai uma peça sensual, exótica, rica em cores esplendorosas e capaz de promover os mais furtivos prazeres. Nunca uma interpretação chamou a si tudo o que ela possui de mais sedoso, sinuoso e sedicioso quanto esta.

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