4 de junho de 2016

Barry Harris "Live in Tokyo", Charles McPherson "Live in Tokyo", Jimmy Raney "Live in Tokyo" (Xanadu/Elemental, re. 2016)



O toque de alvorada era dado por ‘Beautiful Sunday’, de Daniel Boone, repetido ad nauseam no genérico de abertura de um programa da manhã da TBS, a Tokyo Broadcasting System, a ponto de vir a tornar-se o single internacional mais vendido de sempre no Japão. Nas rádios tocava ininterruptamente, disputando a supremacia de descendentes da Sylvie Vartan de “Cherchez l’idole”, como Momoe Yamaguchi. Milhares de adolescentes liam manga pela cidade, indiferentes ao rugido atómico de centenas de Godzillas e às mecanizadas palavras de ordem de batalhões de robôs. As ruas estavam limpas, as pessoas mostravam consideração, as salas de concerto enchiam. Na noite de 1 de abril de 1976, ao passar por uma rulote de hambúrgueres, Barry Harris teve, por fim, a confirmação de que o mundo estava virado do avesso. Correu para o hotel, onde o aguardava uma comitiva chegada da Nova Iorque de “Taxi Driver”, e contou que, na rulote, tinha acabado de ouvir ‘Hot House’ (Tadd Dameron) e ‘Cheryl’ (Charlie Parker)!

Como viria a escrever Don Schlitten, em notas de apresentação destes “Live in Tokyo”, era impossível não se sentir gratidão pelo nível de apreço em que as plateias japonesas tinham “uns velhos Beboppers”. Porque era merecido, claro, mas mais ainda porque lhes era devido. No caso do pianista, adiantava até o seguinte: “Quando expliquei ao Barry o tipo de receção que o esperava em Tóquio, ele não me levou muito a sério. Duas semanas depois, terminada a digressão, sabíamos que tinha sido uma das grandes experiências das nossas vidas.” O fundador da Xanadu mantinha isto em mente: “É que na cultura japonesa tem-se em grande estima os feitos do passado, estima essa que se manifesta de muitas formas. Pelo culto dos mortos, por exemplo, ou através da continuação de certas tradições artísticas.” Como Barry Harris dizia numa entrevista à Down Beat, em 1963: “Houve um tempo em que cada músico se deixava influenciar pelos seus predecessores. Recorrendo a um termo sentimentalão, pelos seus heróis.”

A Harris, os fãs pareciam conceder-lhe o que jamais conhecera: respeito. Toca ‘Fukai Aijo’ (composta na digressão de modo a retribuir o muito carinho recebido) e é fácil supô-lo invadido por uma comoção indeterminada, em que se misturava o reconhecimento pela admiração dos nipónicos e a aceitação pungente do relativo desinteresse que lhe votavam os seus compatriotas. E o mesmo se aplica a Charles McPherson e a Jimmy Raney e a Sam Jones e Leroy Williams, a secção rítmica que acompanhava os três líderes, noite após noite, em cada uma das dez atuações nesta viagem pelo Japão. Escuta-se este trio de “Live in Tokyo” e percebe-se que os instrumentistas permaneciam com a convicção de que estavam sós, mas, também e em simultâneo, com a mercê de se encontrarem num sítio onde se sabiam senhores de si. Juntos, através de ‘Tea for Two’, ‘I’ll Remember April’, ‘Ornithology’, ‘These Foolish Things’, ‘Darn That Dream’ ou ‘Stella by Starlight’, fazem da visita aos standards um inventário de assombros.

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