São temas
abrasivos, ariscos, algo lacónicos, entremeados por secções que denotam uma
sensibilidade extrema, mais domesticada, quiçá apreensiva. Refletem de tal modo
parte do espírito eslavo que Dvorák não abdicou de tocá-los na sua tournée de despedida pela Boémia e pela
Morávia, em 1892, pouco antes de partir para os Estados-Unidos da América, onde
assumiria a direção do Conservatório Nacional de Música, em Nova Iorque. Organizam-se
em seis andamentos sucintos – nessa medida mais parecendo uma suíte folclórica do
que outra coisa qualquer, com o mesmo movimento pendular entre a histeria e a
hipocondria – e dir-se-ia que assim se mantêm para que nada chegue a atraiçoar
o seu insurrecto carácter: o seu aspecto formal logo ditando um divórcio do
cânone europeu, a rejeição da sua autoridade legítima. Daí que ficasse
conhecido como “Dumky”, esse “Trio para Piano Nº 4”, em Mi menor, Op. 90 – dumky é o plural de dumka, por sua vez derivada de duma,
espécie de sorumbática balada épica de origem ucraniana cuja tipicidade
melódica e rítmica Dvorák evocou igualmente em “Danças Eslavas”, no “Concerto
para Violino” e no segundo “Quinteto para piano”.
É um momento absolutamente
libertador na sua escrita, este, em que Dvorák se vira para o oriente
imediatamente antes de rumar ao Novo Mundo – e já Paul Griffiths notou o quão
significativo é que o compositor tenha adotado música de minorias num e noutro
lugar (de odes cossacas e poesia barda kobzar
a espirituais negros e cânticos ameríndios). Trata-se de um gesto político com
origem no Ausgleich, o compromisso
austro-húngaro de 1867, extremamente impopular entre os checos. Mas em termos
artísticos não há aqui nada que não seja invenção sua. O mesmo se dirá do muito
mais ambicioso “Trio para Piano Nº 3”, em Fá menor, Op. 65, embora neste
particular se tenha de falar da figura avuncular de Brahms, que Dvorák faz os
possíveis por igualar e exceder em densidade, melancolia, energia, ternura. O
Trio Wanderer honra-lhe tamanha aspiração.
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