17 de março de 2018

Keith Jarrett/Gary Peacock/Jack DeJohnette "After the Fall" (ECM, 2018)

Em “A Multitude of Angels” (a caixa que reunia concertos seus de outubro de 1996, a solo, em Módena, Ferrara, Turim e Génova) praticamente ensaiava um dueto com Annie Lennox: “O que me levou a seguir por diante e completar o meu destino? Os anjos, que incluíam tudo à minha volta: as plateias, os pianos, a doença, o DAT, o meu manager, a minha mulher”, explicava, enquanto em seu redor se parecia ouvir os Eurythmics e “It’s an orchestra of angels/ And they’re playing with my heart”. Agora, presta-se atenção a este “After the Fall” e o que vem à memória é a canção homónima dos Journey a servir de banda sonora às desilusões de Tom Cruise em “Negócio Arriscado” quando, afinal, a vida dá mostras de não lhe vir a correr como o esperado e, numa retórica descida aos infernos, ele se refugia na cave de sua casa e se põe a brincar tristemente com o modelito ferroviário de quando era pequeno – claro está, imediatamente antes de Rebecca De Mornay o conduzir ao paraíso a bordo de um comboio a sério. Keith Jarrett não gera mais empatia do que isto. 

Conta, agora, em notas de apresentação: “Durante dois anos (do outono [Fall, em inglês] de 1996 ao de 1998) padeci da Síndrome da Fadiga Crónica e não pude tocar piano em público. ‘A Multitude of Angels’ contém a última música que fiz antes de bater no fundo.” Pois então “After the Fall” regista a primeira que fez quando se começou a sentir capaz de sair do buraco. Gravada ao vivo a 14 de novembro de 1998, trata-se de uma sessão de fisioterapia num Reality show dedicado à crónica da vida privada de um pianista de jazz. Dias antes, ao “The New York Times” de 8 de novembro, dizia: “Estou numa fase algo imprevisível da minha recuperação. E esta data em Newark vai ser a experiência mais arriscada de sempre [deste trio]”. Mas Jarrett faz com os standards o que Escher fazia com as figuras de “Relatividade”: coloca-os num espaço em que as leis naturais não se aplicam, que é para que nem os que ficam de cabeça para baixo se sujeitem a cair.

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