Na coleção de fitas magnéticas de
Louis Armstrong mantidas na sua casa-museu, em Queens, encontram-se múltiplas
versões de ‘Bess, Oh Where’s My Bess?’. Remontam à gravação de “Porgy and Bess”
e, segundo Ricky Riccardi, biógrafo do trompetista, Louis telefonava na altura
a Russell Garcia, o orquestrador das sessões, dizendo: “Russ? Ouço-te todas as
noites antes de ir para a cama.” Numa bobine, decorada com uma distinta collage (daquelas que provam que
Armstrong possuía mais em comum com Picasso do que a capa da revista “Life”), a
canção surge treze vezes seguidas para Louis ensaiar sem ter de a rebobinar – e
que dádiva para a ciência seria analisar o resultado de uma ressonância ao seu
hipocampo feita nesse momento! Mas não foi fácil. Algo na ária dos irmãos
Gershwin mexia consigo. Na ópera, Porgy, um pedinte, canta-a mal sai da prisão
e se apercebe que Bess, por quem se tinha apaixonado, e a quem, como é costume
dizer-se, tinha dado uma vida humilde mas honesta (pelo menos até à cena em que
mata um antigo amante dela com as próprias mãos), havia ido nas falinhas mansas
de um velho passador de cocaína e saído da cidade.
Era tudo terrivelmente
familiar para Louis, claro, e, já agora, para Ella Fitzgerald também: tinham vindo
os dois de lares desfeitos, tinham virado calçada, dormido na rua, vivido em
orfanatos e aprendido a suportar os desequilíbrios patológicos de criminosos. E
era vê-los agora: universalmente aclamados como os grandes cantores do seu
país, com os impecáveis “Ella and Louis” e “Ella and Louis Again”, lançados entre
1956 e 1957, a reinventar a roda no que diz respeito ao modo de dar voz a Berlin,
Kern, Carmichael, Porter ou Vernon Duke. E Louis, nada estranho à expetoração, com
a ‘Bess’ atravessada. Quando finalmente a tirou da garganta foi como se a
tivesse arrancado do fundo de si. Norman Granz disse um dia que ao mostrá-la a
Ira Gershwin, o libretista, o viu ficar reduzido a lágrimas, esmagado pela
emoção. Não se sabe que reação teria, hoje, ao ouvir meia dúzia de takes inéditos do tema em que Louis se
interrompe continuamente como se não se conhecesse a si mesmo. Provavelmente
choraria mais ainda. São extras que tornam esta edição definitiva.