21 de abril de 2018

Agenda: JazzFest 2018

Como é que começava, mesmo? “Era uma vez uma cidade no coração da América onde toda a vida parecia desenrolar-se em harmonia com o meio ambiente.” É a primeira frase de “Primavera Silenciosa”, de Rachel Carson, e dir-se-ia tirada de um filme, de tão semeada de maus agoiros que está (afinal, imaginar que, em setembro de 1962, mal foi publicado, quem lhe pegou não sabia de antemão que se tratava de um alerta ecológico é o mesmo que acreditar que, meses depois, houve quem tivesse ido ver ao cinema “Os Pássaros”, de Hitchcock, à espera de acompanhar as peripécias de um casal de ornitólogos). Consequentemente, sem abusar do artifício, não era preciso esperar pelo fim da sua página inicial para que se lesse: “Depois, uma estranha influência maligna alastrou por toda a região e tudo começou a mudar.” Olhando para a programação deste 15º Festival Internacional de Jazz de Portalegre, dir-se-ia que Bill Frisell e Thomas Morgan (que tocam sexta, 27, às 21h30, no Grande Auditório do Centro de Artes e Espetáculo da cidade), com “Small Town” (ECM, 2017), vêm ilustrar essa terra impoluta de que Carson falava. Do mesmo modo, passado 24 horas, quando a palco subir o sexteto Slow is Possible, com a música de “Moonwatchers” (Clean Feed, 2017), será no feitiço que sobre ela se abate que se pensará. De certa forma, é apropriado que tamanha alegoria se dê numa cidade de província, sede por excelência do típico e do atípico, nos dias que correm. O que traz à memória que a essência do jazz se prendeu em tempos com a relação entre o esperado e o inesperado, com o confronto entre o que se conhece e o que se desconhece – platitudes que tiverem um dia outra urgência, como se sabe. Como na altura de Ornette Coleman e John Coltrane, por exemplo, a que o Ricardo Toscano Quarteto sabe iludir (toca na mesma noite do Slow is Possible) quando leva a sua audiência a dar o salto entre conservação e transformação. Por sinal, valores caros ao sueco Martin Küchen, que abre o festival, na quinta, através de um nome com que há dez anos se apresenta (Angles) mas cuja formação específica (um trio em que se faz acompanhar por Ingebrigt Haker Flaten e Kjell Nordeson) só agora estreia em disco.

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