21 de abril de 2018

“Gumba Fire: Bubblegum Soul & Synth-Boogie in 1980s South Africa” (Soundway, 2018)

Em 1986, o mundo inteiro ouvia música sul-africana. Quer dizer, sim, se descontarmos o facto de que escutar os Ladysmith Black Mambazo em, digamos, ‘Diamonds on the Soles of Her Shoes’, do álbum “Graceland”, de Paul Simon, e sugerir que se entrava em contacto efetivo com a música de Joanesburgo seria mais ou menos o mesmo do que achar que, em 1934, os visitantes da 1ª Exposição Colonial Portuguesa tinham ficado a saber como era a vida em Tombali, na Guiné Bissau, ao ver aqueles pobres balantas a andar para a frente e para trás, de piroga, num lago dos jardins do Palácio de Cristal. Pelo contrário, Simon fez um favor aos serviços de contrainformação de P. W. Botha ao cercar-se pelo que mais parecia um conjunto de figurantes da série televisiva “Shaka Zulu” do que contemporâneos seus. Pois, ao vê-los e ouvi-los, quem diria que a África do Sul se encontrava, então, em estado de emergência? Ou que milhares de opositores ao regime do apartheid eram detidos sem direito a um julgamento justo? 

Quando Simon se apercebeu que a música daquela cassete pirata de que tanto gostava vinha daí, pensou: “Que pena não ser, antes, do Zimbabwe, do Zaire ou da Nigéria! A minha vida ficaria tão mais simples!” Só a dele, claro – não a de quem, na altura, estivesse sob a mira de Mugabe, de Mobutu ou de Babangida. Crucialmente para esta história, o sucesso de Simon (e dos Ladysmith Black Mambazo) teve outro efeito perverso, ao impedir ainda o acesso à música sul-africana que mais se ouvia na África do Sul: bubblegum. Dá-la a conhecer, hoje, dir-se-ia a missão de vida de David Durbach, organizador da presente compilação mas também de “Boogie Breakdown: South African Synth-Disco, 1980-1984” (Cultures of Soul, 2016) e “Pantsula!” (Rush Hour, 2017). Trata-se de uma versão africanizada de euro disco capaz de cortar nas gorduras quando é preciso mas igualmente anfetamínica, embora feita para celebrar pequenas vitórias (não se imagina melhor banda sonora para acompanhar a lei que aboliu a interdição a “sexo inter-racial”, por exemplo): é que dançar ao som de Ntombi Ndaba, Ozila, Zoom, Stimela, Monwa & Sun e Condry Ziqubu até amanhã de manhã era a melhor maneira de fintar o recolher obrigatório.

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