11 de agosto de 2018

Fred Hersch Trio “Live In Europe” (Palmetto, 2018)

Como disse um dia Tom Piazza acerca dos habitantes de Nova Orleães (em “City of Refuge”), Fred Hersch insistiu em prevalecer – ou seja, foi capaz de transformar as suas muitas privações em ativos. Aliás, é nesses termos que o novelista resume o livro de memórias que Hersch publicou no ano passado: como uma história de superação. E também Jason Moran escrevinhou qualquer coisa do estilo, referindo os obstáculos com que Hersch lidou dentro e fora do palco, em relações amorosas ou na sua recuperação: “No jazz, um intérprete partilha tanto as suas virtudes quanto as suas falhas – é como o reflexo do mundo; e ao improvisar – o princípio elementar [do género] – é capaz de fazer do infortúnio fonte de inspiração.” Enfim, Hersch é defumado com incensos desde que vive com a síndrome da imunodeficiência adquirida. Mas muito de vez em quando somos relembrados que ele nunca foi propriamente um moralista.

Numa entrevista recente (na edição do mês passado da revista “The New York City Jazz Record”), observe-se com atenção o modo como se refere a Cecil Taylor: “[Um pianista] brilhante, muitíssimo organizado, e uma enorme influência em músicos como Craig Taborn ou Jason Moran. Uma figura imponente que soube fazer as coisas à sua maneira. O facto de ser gay foi uma mera nota de rodapé. Por sinal, ele soube contradizer exemplarmente aquela ideia feita de que se és gay, então, tens de tocar música bonitinha.” Pois bem, não se podendo, por um segundo, afirmar que se trata do contrário de bonito, este “Live in Europe” (registado em Bruxelas, em novembro último, na reta final de uma digressão de três semanas com John Hébert na bateria e Eric McPherson no contrabaixo) será igualmente a tentativa de Hersch tornar claro que a presença do HIV na sua vida nunca poderá deixar de se confundir com um mau augúrio, negro catalisador do caos emocional e psicológico, origem de um ubíquo receio de alienação. São originais de irreconciliáveis tensões (dedicados a John Taylor, Sonny Rollins ou, lá está, Tom Piazza), e que obrigam quem os escuta a partilhar de uma responsabilidade algo esmagadora. Pelo meio, como se fosse possível recomeçar do zero, temas de Monk e Shorter. E Hersch a vender saúde.

Sem comentários:

Enviar um comentário