6 de outubro de 2018

Jess Sah Bi & Peter One “Our Garden Needs Its Flowers” (re. Awesome Tapes From Africa, 2018)

Em 1995, triplicando no espaço de uma década, qualquer coisa como 30% dos costa-marfinenses viviam abaixo do limiar de pobreza. Longe iam os tempos do miracle ivoirien, como é óbvio, quando a taxa de crescimento económico anual do país, alavancada pela exportação de cacau, se mantinha nos dois dígitos. Então, complicando a sucessão de Félix Houphouët-Boigny, amotinava-se o exército, mobilizavam-se grevistas e, pior, em campanha para as presidenciais, Henri Konan Bédié começava a falar de ivoirité. Jess Sah Bi e Peter One, que dez anos antes tinham visto as suas músicas adoptadas por movimentos estudantis (“Todos juntos/ Em torno do nosso objetivo”, cantavam, em ‘Katin’; “Porquê os pobres? Porquê os ricos?”, interrogavam-se, em ‘Kango’; “Lembrem-se: estão a lutar pelos vossos direitos”, esclareciam, em ‘African Chant’), perceberam que não havia volta a dar e calmamente fizeram as malas. Partiram em direção aos Estados-Unidos, passando as noites nos beliches da diáspora e os dias em biscates, até assentar um em São Francisco e outro em Nashville, a capital daquilo que faziam: música country

Hoje, em depoimentos coligidos para as notas de apresentação desta reedição, recordam anos dourados passados a ouvir Kenny Rogers, Dolly Parton, Simon & Garfunkel, Cat Stevens ou Crosby, Stills & Nash – em 1985, ao gravar este pastoral “Our Garden Needs Its Flowers” nos estúdios JBZ, em Abijão, estavam, pelo menos em espírito, a preparar-se para fazer o caminho inverso ao do Johnny Copeland de “Bringin’ It All Back Home”, que, na mesma altura, no mesmo lugar, procurava a raiz africana do blues. Na medida em que, do período, através de compilações como “Ivory Coast Soul” e “Akwaba Abidjan”, vêm mais depressa à memória produções hedónicas do que edénicas (o jardim titular é o bíblico), o retrato é algo excêntrico – de facto, pouco aproxima Jess e Peter a luminárias da música popular ebúrnea como Ernesto Djédjé, Pierre Antoine, Moussa Doumbia, François Lougah ou De Frank Kakrah. Mas agora, porque se vive um momento em que se volta a falar da queda do Homem, nada borra a fotografia.

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