3 de novembro de 2018

Dur-Dur Band “Dur-Dur Of Somalia – Volume 1 & Volume 2” (Analog Africa, 2018)

Ponto de ordem à mesa, no que diz respeito à Dur-Dur. O que, sim, implica ter de aceitar as regras desta espécie de arquivística gonzo em que a Analog Africa se tem vindo a especializar ao longo dos anos. (Como é que dizia Ralph Steadman, no documentário “For No Good Reason”, a propósito das técnicas de reportagem que desenvolveu com Hunter S. Thompson na década de 70? “Tu vais lá de propósito para cobrir uma história, mas na realidade não cobres história nenhuma: tu transformas-te na própria história.”) Nesse caso, então, há que ser complacente com o que nos conta Samy Ben Redjeb, fundador da editora, em extensas notas de apresentação: “Resumindo, após um stressante jogo do gato e do rato [em Columbus, Ohio, com Abdinur Daljir, um antigo vocalista da banda] percebi que não havia mesmo volta a dar e que fosse qual fosse o risco teria de ir ao local onde esta música tinha sido originalmente gravada”.

Dito e feito, aterrou em Mogadíscio a 9 de novembro de 2016 “na esperança de circular livremente pelas ruas da cidade” para não ter de se parecer com “um daqueles enviados especiais das Nações Unidas que passam a olhar pelas janelas dos seus todo-o-terreno sem qualquer ideia do que lá andam a fazer.” Infelizmente, à chegada, a sua anfitriã, Fatuma Abdulahi, deu-lhe um banho de realidade: “Se o al-Shabaab tiver a mínima oportunidade não vai hesitar em matar-te! Eles querem é publicidade desta!” Afirmativo: como em “Capitão Phillips, logo no início do filme, Andrea (Catherine Keener) diz ao marido (Tom Hanks), sem sonhar que ele se verá em breve reduzido a cativeiro por piratas somali, “seria de pensar que estas viagens se tornariam mais fáceis com o passar do tempo, mas na verdade é o oposto!”

Spoiler alert: lá teve de andar Redjeb com um guarda-costas de AK-47 atrás à procura de cassetes perdidas pelo Corno de África. (Indiana Jones resumi-lo-ia assim: “Fortuna e glória, puto.”) Até que se encontraram cópias suficientes para começar a completar um dos mais complexos puzzles da música africana de meados de 80 – o desta inefável Dur-Dur, que à noite punha turistas a suar na pista de dança do Hotel Jubba ao som de disco sound e que durante o dia borrifava folclore dhaanto com o vapor da música ocidental em gravações de tiragens ínfimas. De facto, é digno de uma fita.

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