17 de novembro de 2018

“Venezuela 70, Volume 2: Cosmic Visions of a Latin American Earth – Venezuelan Experimental Rock in the 1970s and Beyond” (Soul Jazz, 2018)

Pois, então, cá está o Volume 2. Se fosse na época dir-se-ia “Tá barato! Dame dos!”, que era o que efetivamente saía da boca de venezuelanos com carteiras recheadas de petrodólares quando confrontados com o preço dos bens e serviços em Miami. Grosso modo, tão indecente liquidez era uma consequência direta da crise petrolífera de 1973, em que a Venezuela soube ativar reservas e beneficiar do embargo decretado aos aliados de Israel pela OPAEP: da noite para o dia, o investimento público praticamente quadruplicou no país, o seu rendimento per capita tornou-se no mais elevado da América Latina e a onda de crude conduziu Carlos Andrés Pérez ao poder. 

Foram anos de ‘Caracas para Locos’, como dizia a canção dos Ofrenda, a banda de Vytas Brenner, em que os jovens tomaram a noite da cidade de assalto, de cinema em cinema, de discoteca em discoteca. Aos países do lado de cá que tinham família no lado de lá iam chegando borrifadelas de tamanha luxúria, em 1975 perfeitamente personificada pela Edwige Fenech de “Obrigado Avó” ("Grazie... Nonna", no original), uma commedia erotica all’italiana, como então se dizia, em que dava corpo a uma personagem (chamada Maria Juana, como não poderia deixar de ser) que parecia vir da capital venezuelana com o motivo expresso de virar a cabeça aos membros masculinos da sua família europeia – da autoria de Enrico Simonetti, a música do filme, embalada pela bossa, não destoaria nesta compilação. 

Mas não é só de estética que aqui se trata. Este “Venezuela 70” procura, antes, documentar o instante em que a produção musical de Caracas se quis ocupar de outras coisas: de dar expressão em sons ao que significava, em 1974, a inauguração do Poliedro, por exemplo, inspirado pelos domos geodésicos de Fuller. Ou, como no caso de Daniel Grau, de se mostrar à altura do que se fazia a norte: “Dejando Volar el Pensamiento”, o seu extraordinário álbum desse ano, tem na capa uma foto de um quarto em cuja parede se vê pendurado um poster alusivo a “Fulfillingness' First Finale”, de Stevie Wonder, e outro a “200 Motels”, de Frank Zappa. E, acima de tudo, de lembrar que a utopia vale mais que a usura: “Agua clara, sin petroleo y con sal/ Te destruyen/ Te construyen un hotel”, cantava Brenner [na foto]. Mas não havia nada a fazer, como alertou Joni Mitchell: “They paved paradise/ And put up a parking lot.”

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