19 de abril de 2019

“Bunny Lee: Dreads Enter the Gates With Praise” (Soul Jazz, 2019)

Num “estudo estratigráfico”, dizia-me há coisa de 20 anos Steve Barrow, coautor de “The Rough Guide to Reggae”, há, ali, algures entre finais de 60 e meados de 70, um “conjunto de rochas sedimentares com a marca de Bunny Lee”. Falava da História da música, claro. E, se bem me lembro, para tornar a expressão do seu pensamento mais viva, andava à cata de figuras de estilo que de certo modo se equivalessem à linguagem do produtor jamaicano nesse período: em partes iguais lúcida e elusiva, espessa e espectral, francamente alusiva e profundamente autorreferencial. No fundo, Barrow tentava retratar um ciclo algo axiomático no reggae, quando Lee, coadjuvado por King Tubby e Prince Jammy, e sugando-o até ao tutano, estimulou uma dramática reconfiguração dos seus constituintes elementares, libertando-o de substâncias espúrias, reduzindo-lhe as características formais ao mínimo indispensável mas tornando-o ainda mais paradoxal: uma iteração ao mesmo tempo mais estática e elástica, mais estóica e instável. Por isso, estranha-se que Bunny Lee tenha demorado tanto a entrar na esfera de ação da Soul Jazz – daquelas em atividade, porventura a editora mais empenhada em proceder ao levantamento geológico do reggae nos últimos anos. 

Poderá em parte dever-se este atraso àquela espécie de efeito Robinson Crusoé que por vezes aflige o principal responsável pelo selo britânico, Stuart Baker, alguém que nas suas expedições dá mostras de ansiar pelo momento em que numa ilha deserta, como a personagem de Daniel Defoe, encontra “a pegada recente de um pé descalço” na areia. Mas, como é óbvio, nesse particular, o espólio de Bunny Lee foi já mais palmilhado que a Praia da Rocha em agosto, e muito do que de mais importante criou em laboratório tem sido esta década relançado em sucessivas compilações. Ainda assim, de maneira espantosa, esta antologia mantém a integridade sem ter de repetir nenhum dos temas das outras – a Soul Jazz não o diz, mas o material aqui coligido foi gravado entre 1973 e 1978 e colocado no mercado pelas chancelas da Attack (Johnny Clarke, Jackie Edwards, Mighty Diamonds, Prince Jazzbo, Shorty The President), Justice (Jah Stitch) e Third World (Tommy McCook, Gene Rondo, Jah Youth, Uniques, Winston Wright, Dillinger). Não admira que Bunny Lee tivesse sido apelidado de “fantasma que assombra os estúdios”! Este é o seu Boo!

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