14 de dezembro de 2019

Conrad Tao “American Rage” (Warner, 2019)

Deu sobretudo que falar há coisa de dez anos, por conseguir conciliar o inconciliável e, enquanto solista, num mesmo recital interpretar quer o “Concerto para Violino Nº 2”, quer o “Concerto para Piano Nº 1”, de Mendelssohn. Mais tarde, à medida que os seus (e)feitos de menino-prodígio pareciam já coisa do passado, estreou-se em disco a tocar Debussy e Stravinsky, por um lado, e, por outro, enquanto Tau Tau, um projeto paralelo de Synth-pop, a cantar frases como: “How does it feel to grow up in the midst of the so-called fracturing of our generation's consciousness?” Como é óbvio, neste contexto, falar de incompatibilidades e contradições será como querer discutir o sexo dos anjos. Mas, em termos teóricos, estendeu-se gradualmente pela sua discografia algo que terá que ver com essa espécie de dualismo: em “Voyages” (2013) apresentou originais seus e uma peça de Meredith Monk ao lado dos mais canónicos Ravel e Rachmaninoff; em “Pictures” (2015) emparelhou Elliot Carter, Toru Takemitsu, David Lang e Mussorgsky. Pois, Conrad permanecia a mesma pessoa que tinha ido para além do universo da música clássica – ou ficado aquém, está em aberto – ao criar um mashup com ‘Everytime’, de Britney Spears, e ‘Falling’, do genérico de “Twin Peaks”.

Não admira que, ainda o mês passado, em entrevista ao “The New York Times”, tenha sugerido que justapondo Bach com Carter não está a “diminuir o fosso que os separa mas, sim, a fazer com que possam ser ouvidos de outro modo”. Agora, porque também este “American Rage” dá mostras de poder ser entendido de duas maneiras distintas, dir-se-ia termos passado da conceção filosófica da vida baseada na presença de dois princípios para a da figura de linguagem: de facto, num título tão provocador, a palavra rage possui duplo sentido e, no fundo, diz tanto à fúria quanto ao furor. O que é uma forma aproximada de descrever aquilo que, aqui, requerem “Which Side Are You On” e “Winnsboro Cotton Mill Blues”, de Frederic Rzewski, “Sonata para Piano”, de Aaron Copland, e “Compassion”, de Julia Wolfe. E o pianista bem pode passar da raiva à reflexão e à resignação, que jamais compromete a força motriz por trás de cada obra: a desta gente que compõe para decifrar um mundo que, por vezes, insiste em não a querer compreender.

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