7 de dezembro de 2019

Sugestões de Natal


Jan Garbarek/The Hilliard Ensemble “Remember Me, My Dear” (ECM, 2019)
Do mesmo modo que “Here, My Dear”, de Marvin Gaye, tinha como pano de fundo um divórcio, também este “Remember Me, My Dear” põe em cena uma separação. Gravado em outubro de 2014, por ocasião da última digressão conjunta entre saxofonista e quarteto vocal, e duas décadas depois do lançamento de “Officium” (o disco que os fez pela primeira vez cair nas areias movediças da História), dramatiza muitos mais anos do que isso – 1000, a contar desde von Bingen. Para a quadra, destacam-se os cochichos metafísicos de “Most Holy Mother of God” (Pärt), “Alleluia Nativitas” (Pérotin) ou “Ov Zarmanali” (um hino para o batismo de Cristo, de Komitas), com os músicos à caça de fantasmas pela nave central da collegiata dei Santi Pietro e Stefano. Quando tocam “We are the Stars” (do norueguês), tornam ao pó.

Stile Antico “A Spanish Nativity” (Harmonia Mundi)
Nem tudo provém da região demarcada das sacristias nesta viagem do Stile Antico pela música sacra de um Siglo de Oro espanhol que, por sinal, também se prolongou no tempo. Ouça-se o vilancico que diz “A un niño llorando al hielo/ Van tres Reyes a adorar/ Porque el niño puede dar/ Reinos, vida, gloria y cielo”, e é como entrar na intimidade de um lar, com a família reunida em pleno ato de devoção, enquanto, ao lume, coze um belo besugo aromatizado com pimenta, laranja e lenha. Já as obras de Tomás Luis Victoria, Francisco Guerrero ou Alonso Lobo – não obstante a tensão entre estilos – deixam no ar o perfume a incenso e alecrim seco da missa. Termina com “Cum natus esset Jesus”, de Cristóbal de Morales, que é para os meninos e meninas, entre os fiéis, saberem que já podem abrir os presentes.
Peñalosa: Lamentationes (BIS, 2019)
Porque Victoria, Guerrero ou Lobo não surgiram de geração espontânea, eis um programa dedicado à obra polifónica de Francisco de Peñalosa. Com aquela diáfana qualidade que se associa a Josquin, por exemplo, mas capaz de produzir – através da redução – efeitos expressivos muito particulares, a cascata de notas de Agnus Dei na sua versão de “L’homme armé” expurga qualquer pecado.



 
 “Passions: Venezia 1600-1750” (Harmonia Mundi, 2019)
Nem tanto ao mar nem tanto à terra, é o que não se costuma dizer a propósito de Veneza. Mas, ali, no fio da navalha entre os dois, talvez seja, até, apropriado lembrar a expressão, de modo a ilustrar um programa ancorado entre o sagrado e o profano quando, pela cidade, o vernáculo (de Merula a Lotti) aspirava à transcendência e a veneração (de Monteverdi a Cavalli) à tangência.

Handel: Messiah (Alia Vox, 2019)
Em meados dos anos 50 do século passado, o crítico literário Vivian Mercier apontava para uma “impossibilidade teórica” em “À Espera de Godot”, de Beckett: “Uma peça em que nada acontece, mas que, não obstante, consegue manter a audiência pregada à cadeira”, escrevia. Cerca de 200 anos antes, com “Messiah”, era Handel a testar a inteligência emocional das suas plateias: decorrem duas horas até que, por fim, se mencione o nome de Jesus Cristo. Consciente da sensação de extrema simplicidade que o compositor pretendia transmitir no oratório – de modo a sublinhar as suas muitas extravagâncias, quiçá, ou de expressar um calvário pessoal –, Savall faz muito com pouco, empenhado em diminuir o risco de que a meia centena de almas de que se socorre, e quem quer que a escute, escorregue para o além.

Keith Jarrett “Munich 2016” (ECM)
Não tem que ver com o centenário de Nat King Cole, mas fecha com dois temas a ele associados – ‘Answer Me, My Love’ e ‘It’s a Lonesome Old Town’. Como se Jarrett dispensasse 10 minutos de atenção ao hemisfério direito do cérebro (o do pensamento simbólico), depois de ter dedicado 90 ao esquerdo (o do pensamento lógico). Para o Natal, talvez sejam as percentagens mais indicadas.

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