28 de dezembro de 2019

Michael Formanek Very Practical Trio “Even Better” (Intakt, 2019)

Quando escreveram ‘Money (That’s What I Want)’, há 60 anos, Janie Bradford e Berry Gordy, o fundador da Motown, estavam a ser práticos – mais, realmente, só os Sigue Sigue Sputnik, que em meados de 80 incluíram anúncios entre os temas de “Flaunt It”, ou Belchior, que cantou: “Hoje eu não toco por música/ Eu toco por dinheiro.” Por isso, nos dias que correm, no mundo do jazz, quando Michael Formanek, Tim Berne e Mary Halvorson se apresentam como Very Practical Trio estão praticamente a fazer um convite à ironia – e, caso fizesse crítica musical, imagina-se o painel do “Passadeira Vermelha” a reagir a este disco dizendo coisas como: ‘Ai, não acho nada prático!’ Com uma ressalva para o sentido prático que Mary revela em palco, para o qual se desloca sempre de mala ao ombro, estão, no fundo, a ser tão literais quanto Satie, que dizia: “Não entreis numa casa que não usa a música para mobilar.” Ou seja, sabendo da poda, ainda que intrincadamente labiríntica aqui e inevitavelmente arbitrária acolá, estão a apelar para que não se caracterize à partida a música que os três fazem com palavras que signifiquem o oposto de prático.

Não admira, vindo de quem vem – basta lembrar o título daquele disco de Formanek, “Am I Bothering You?” (1998), em que se dirigia a todos quanto num clube de jazz aproveitam os solos dos contrabaixistas para ir ao bar ou à retrete. Por isso, também, neste particular, e em termos aproximados, esta adesão ao modelo insuspeito, íntegro e irredutível da canção, onde habitualmente se corta a gordura em excesso, o supérfluo, o descartável, o desnecessário, até ao osso. Em ‘Like Statues’, por exemplo, recorre-se à aura do blues – um estilo tão inequívoco que nem admite a arguição de ilegitimidade (um teste: qual destes nomes lhe parece mais verdadeiro – McKinley Morganfield ou Muddy Waters?) – e a terminar o CD tocam ‘Jade Visions’, de Scott LaFaro, na cadência de ‘Falling’, do genérico de “Twin Peaks”. Há 9 anos, à revista “Bass Player”, Formanek explicava que não “apreciava esse tipo de limitações [que se impõem à improvisação]”, que se entusiasmava quando “encontrava um groove” e podia tomar outras músicas como referência. Na prática, é o que pretende este Very Practical Trio: pegar naquilo que pensamos conhecer e torná-lo ainda melhor.

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