30 de novembro de 2019

Tchaikovsky: None But The Lonely Heart (Deutsche Grammophon, 2019)

Em Vevey, a passear pelas margens do Grande Lago, Daniel Lozakovich fala de Tchaikovsky sem grandes restrições. “Este sítio é verdadeiramente mágico”, diz, com o olhar a perder-se no horizonte, ali, no ponto em que o Lemano se curva ligeiramente para sul, antes de se transformar naquele artrítico indicador que aponta no mapa para Genebra. Como quem relata uma saída do armário, adianta que Tchaikovsky se deslocou à cidade para esquecer o casamento em que se tinha enfiado, para se livrar da melancolia: “Ele vivia em segredo. Faltava-lhe algo, para se poder abrir.” Enfim, lá vai o Ministro da Cultura russo denunciar o jovem violinista ao abrigo da lei que proíbe “propaganda gay” – Vladimir Medinsky não terá visto “Tchaikovsky, Delírio de Amor” (1971), filme que logo na meia dúzia inicial de minutos põe Modest Tchaikovsky a advertir o irmão: “Tu tem cuidado. Se isto se sabe, ficas marcado para a vida!” Por isso, em declarações à agência de comunicação contratada pela DG, Lozakovich conclui que andar pela zona permite “mergulhar no universo emocional de Tchaikovsky”, que ali pensou “em coisas que nunca havia pensado”.

Bom, uma delas, nesses idos de 1878, então, terá sido certamente o chocolate de leite, acabadinho de inventar, em Vevey, por Daniel Peter e Henri Nestlé – complemento ideal para as horas que o compositor passava na varanda do hotel Trois Couronnes a cismar numa Rússia que lhe seria doce em tudo, exceto na amargura da convenção social. Como se sabe, para completar este “Concerto para Violino”, chamou até si o violinista, e seu amante, Iosif Kotek – e não será preciso puxar muito pela cabeça para os imaginar como personagens de “Daisy Miller”, o romance de Henry James cuja ação arranca no Trois Couronnes, exatamente em 1878, e que lida com a (falta de) submissão às normas. Não será igualmente abusivo considerar que Lozakovich, aos 18 anos, o toca como se não estivesse inteiramente seguro quanto àquilo que, das suas emoções, deve trazer ao de cima ou manter enterrado, como se não soubesse lá muito bem se esta obra, a transbordar de sentimento, é o retrato de um amor impossível porque Tchaikovsky não podia amar uma mulher ou porque não podia dizer ao mundo que amava um homem – como Perlman, Chung ou Zukerman, que também a gravaram em início de carreira, está na idade certa para expressar o conflito na perfeição.

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