16 de novembro de 2019

Wolfe: Fire In My Mouth (Decca, 2019)


Não, não há aqui Montéquios e Capuletos. Mas há Malteses e Caputos, Maiales e Carusos, Meyers, Maxes e Cohens. (Dir-se-ia uma reação à famosa frase de Maria Remarque: “A morte de um é uma tragédia, a de milhões, estatística.”) De modo crucial, há vários Bernsteins. Três, para ser exato – Morris Bernstein, Jacob Bernstein e Essie Bernstein. Por isso, sim, no terceiro andamento deste “Fire in my Mouth”, quando se escutam as aspirações dessa gente toda – “Quero falar como uma americana// Cantar como uma americana// Sonhar como uma americana”, repetem as 110 mulheres do Young People’s Chorus of New York City – é em ‘America’, de “West Side Story”, precisamente, que se pensa, e naquele refrão com castanholas no sotaque do “Eu gosto de estar na América/ OK, por mim, na América”. Ou melhor, pensa-se na adaptação do musical de Leonard Bernstein e Stephen Sondheim, inspirado em “Romeu e Julieta”, ao grande ecrã, quando, no mesmo número, o que se ouve é um incisivo: “A vida é boa na América/ Se fores branco na América.” Porque, na verdade, neste oratório, Julia Wolfe não concede um minuto, sequer, de ilusão às suas narradoras, e consequentemente à sua plateia, porventura receando que a semente da ignorância pudesse dar alento à esperança e tornando claro desde o início – ‘Immigration’, chamou ao primeiro andamento – que elas têm já o destino traçado.

No caso, o de virem a ser consumidas pelas chamas do incêndio que deflagrou a 25 de março de 1911 num edifício da baixa de Nova Iorque – sede de uma fábrica de manufatura têxtil, a Triangle Shirtwaist – e que tirou a vida a 146 pessoas, na sua maioria raparigas entre os 14 e os 23 anos, recém-chegadas da Europa de Leste e do sul de Itália. Aliás, em ‘Factory’, o segundo andamento, dá-se por um brilhante achado retórico, quando uma alienante cacofonia criada para simular o ruído fabril é envolvida por um lamento em ídiche, de um lado, e por uma tarantela, do outro – o atonalismo, tal como preconizado por Schoenberg, e o futurismo, como enunciado por Marinetti, presos num abraço fatal com a única música acessível às costureiras, que era aquela que tradicionalmente os seus pais cantavam. Como em “Mothers Shall Not Cry”, de Jonathan Harvey, ou “On the Transmigration of Souls”, de John Adams, quando, a fechar, são entoados os nomes de quem faleceu, é o nosso que parecemos ouvir, saído da boca do inferno.

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