Em termos alegóricos, sobretudo na narrativa audiovisual, e em
representação indireta da morte de uma criança ou como símbolo da perda da
inocência, recorre-se com frequência àquilo que se caracteriza como “boneca da
empatia”. Basta pensar em grandes sucessos de bilheteira: por exemplo, em “Aliens
– O Reencontro Final” (1986), com Newt a agarrar-se desesperadamente à cabeça
de uma boneca, numa expressão de infantilidade recalcada; em “Assalto ao
Aeroporto” (1990), com John McClane, numa pista coberta de neve, a encontrar uma
boneca carbonizada junto à carcaça de um avião abatido por terroristas e a ver-se
invadido por culpa, raiva, nojo e desgosto; ou em “Titanic” (1997), com o rosto
de uma boneca bem visível nos destroços do naufrágio. Mais recentemente, num
documentário como “A Vida sem Nós” (2008), nada atrai mais o olhar que aquelas bonecas
semeadas pelo entulho de Chernobyl. Na obra de Weinberg, tinha o compositor apenas
15 anos, a “boneca da empatia” surge precocemente, em “3 Peças para Violino e
Piano” (1934/35) – mais concretamente no terceiro andamento, ‘Sonho de uma
Boneca’, dedicado à irmã, Ester, que, como se sabe, conjuntamente com toda a
família, viria a contar-se entre as vítimas do Holocausto (e daquele pulsar do
inconsciente que o atravessa, em retrospetiva, será impossível afastar as
nuvens da premonição).
Como se retoricamente a sua obra não se pudesse – ou
devesse – em definitivo inocentar, e até ao fim da vida, Weinberg recorreu uma
e outra vez ao mecanismo, nomeadamente através da associação de ideias inerente
à citação: na sua “Sinfonia Nº 21”, a certa altura, descobre-se a “Balada Nº 1”
de Chopin [ainda assim, e embora ambicionasse um impacto semelhante, de modo
menos flagrante que o George Crumb de ‘Dream Images (Love-Death Music)’] e,
aqui, no “Trio para Piano, Violino e Violoncelo”, dá-se casualmente por um tema
de Shostakovich, extraído ao “Trio para Piano”, Op. 67, do russo, inspirado
pela música klezmer e motivado pelo
desaparecimento de Ivan Sollertinsky. Mais pungente, só a “Sonata para Violino
e Piano Nº 6”, com uma melodia tão esgarçada quanto a mortalha que Weinberg
imaginava no corpo da mãe, a quem dedicou a obra mesmo se nunca a tirou do
fundo de uma gaveta, em descanso eterno, a viver a vida sem nós que por vezes
inventamos para o que já nos deixou.
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