23 de novembro de 2019

Weinberg: Chamber Music (Deutsche Grammophon, 2019)


Em termos alegóricos, sobretudo na narrativa audiovisual, e em representação indireta da morte de uma criança ou como símbolo da perda da inocência, recorre-se com frequência àquilo que se caracteriza como “boneca da empatia”. Basta pensar em grandes sucessos de bilheteira: por exemplo, em “Aliens – O Reencontro Final” (1986), com Newt a agarrar-se desesperadamente à cabeça de uma boneca, numa expressão de infantilidade recalcada; em “Assalto ao Aeroporto” (1990), com John McClane, numa pista coberta de neve, a encontrar uma boneca carbonizada junto à carcaça de um avião abatido por terroristas e a ver-se invadido por culpa, raiva, nojo e desgosto; ou em “Titanic” (1997), com o rosto de uma boneca bem visível nos destroços do naufrágio. Mais recentemente, num documentário como “A Vida sem Nós” (2008), nada atrai mais o olhar que aquelas bonecas semeadas pelo entulho de Chernobyl. Na obra de Weinberg, tinha o compositor apenas 15 anos, a “boneca da empatia” surge precocemente, em “3 Peças para Violino e Piano” (1934/35) – mais concretamente no terceiro andamento, ‘Sonho de uma Boneca’, dedicado à irmã, Ester, que, como se sabe, conjuntamente com toda a família, viria a contar-se entre as vítimas do Holocausto (e daquele pulsar do inconsciente que o atravessa, em retrospetiva, será impossível afastar as nuvens da premonição).

Como se retoricamente a sua obra não se pudesse – ou devesse – em definitivo inocentar, e até ao fim da vida, Weinberg recorreu uma e outra vez ao mecanismo, nomeadamente através da associação de ideias inerente à citação: na sua “Sinfonia Nº 21”, a certa altura, descobre-se a “Balada Nº 1” de Chopin [ainda assim, e embora ambicionasse um impacto semelhante, de modo menos flagrante que o George Crumb de ‘Dream Images (Love-Death Music)’] e, aqui, no “Trio para Piano, Violino e Violoncelo”, dá-se casualmente por um tema de Shostakovich, extraído ao “Trio para Piano”, Op. 67, do russo, inspirado pela música klezmer e motivado pelo desaparecimento de Ivan Sollertinsky. Mais pungente, só a “Sonata para Violino e Piano Nº 6”, com uma melodia tão esgarçada quanto a mortalha que Weinberg imaginava no corpo da mãe, a quem dedicou a obra mesmo se nunca a tirou do fundo de uma gaveta, em descanso eterno, a viver a vida sem nós que por vezes inventamos para o que já nos deixou.

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