No ano
passado, era tudo sobre o espaço – com a organização do festival vimaranense atenta
no aeroporto Francisco Sá Carneiro aos horários de chegada de voos provenientes
dos “Estados Unidos, Brasil, Israel, Alemanha, Áustria…”. Este ano, ao que
parece, a preocupação é o tempo: “Em 2019, e já na sua 28ª edição, o Guimarães
Jazz cumpre mais uma etapa de um percurso de quase três décadas de divulgação
do jazz de todas as épocas”, lê-se na sua apresentação. Realmente, mais
referências à quarta dimensão, numa única frase, só em ‘Oração ao Tempo’, de
Caetano: “E quando eu tiver saído/ Para fora do teu círculo/ Tempo, tempo,
tempo, tempo/ Não serei nem terás sido/ Tempo, tempo [etc].” E, já que, de todos quanto programa, é o mais avançado em
idade, começa de modo apropriado, com Charles Lloyd – logo ele, que passou
grande parte da carreira a bater o pé ao maniqueísmo, e que sempre que tocava ‘Tales
of Rumi’ (1997), por exemplo, aproveitava, como dizia o poeta, para sugerir que
“Cem mil anos e sessenta minutos são uma coisa só”, que para aqueles que se
deixam absorver pela verdade não há princípio nem fim, só a “graça do presente”
(talvez por isso lhe seja tão fácil tocar num grupo como este, os Kindred
Spirits, em que a presença do guitarrista Marvin Sewell traz à memória a altura
em que Lloyd esteve ao serviço de gente como Howlin’ Wolf ou B. B. King).
Rumi
falou também acerca de uma categoria de pessoas que se deixa consumir pelo
mundo material em virtude da sua profunda ignorância e imensa falta de
consideração – Donald Trump será uma delas, diz Antonio Sánchez, que, de acordo
com o seu mais recente álbum, subirá a palco de hoje a oito dias para traçar
“Lines in the Sand” (no CD, em alusão à vil articulação do presidente
norte-americano, dá-se por um tema chamado ‘Bad Hombres y Mujeres’). Sánchez
dirige-se àqueles que vêem o seu tempo na terra das oportunidades a esgotar-se
– e o jazz chama a atenção para coisas destas desde que há 70 anos Bud Powell
transformou a locação latina tempus fugit
em ‘Tempus Fugue-it’. No sábado, sosseguem os espíritos, que voltamos a rodar como
dervixes. Primeiro, às 17h, com o trio de Stéphan Oliva, Sébastien Boisseau e
Tom Rainey, cujo recente “Orbit” inclui em sequência temas como ‘Cercles’ e ‘Spirales’,
e à noite com duetos de piano de Vijay Iyer e Craig Taborn organizados sob a
égide de uma sugestiva frase de Cecil Taylor: “Somos animais, parte integrante
da natureza. Somos os poemas transitórios,” afirmou o maestro, em 1994. Falava do ciclo da vida. Quem chamou “The Circle
Game” a um dos seus primeiros livros de poesia foi Margaret Atwood – e será com
“The Atwood Suites”, e o Andrew Rathbun Large Ensemble, que encerra o Guimarães
Jazz, de amanhã a quinze dias, reunindo até lá tempo mítico, tempo histórico,
tempo geológico, tempo pessoal, o que se quiser – enfim, antes que não tenha
tempo, destaque, ainda, para a ICP Orchestra (11) e para Joe Lovano (13)!
Sem comentários:
Enviar um comentário