11 de janeiro de 2020

Beethoven: Complete Works For Cello And Piano (Deutsche Grammophon, re. 2019)

Assinala-se o 250º aniversário do nascimento de Beethoven e, nas lojas, as secções de discos ganham, por fim, uma locomotiva com força o suficiente para atrelar os vagões que quiserem: Deutsche Grammophon, Naxos e Warner, por exemplo, já lhe engataram a mastodôntica obra completa em exaustivas edições de 118, 90 e 80 CD respetivamente. Mas, entre idas a estúdio e aos arquivos, quem pôs o comboio em andamento foi, mesmo, o selo amarelo, em setembro último, com a integral das sonatas para piano de Kempff (8 CD), a dos concertos para piano de Lisiecki com a Academy of St. Martin in the Fields (3 CD), a das sinfonias de Nelsons com a Filarmónica de Viena (5 CD) e, em nova masterização, a da obra para violoncelo e piano gravada há 60 anos por Pierre Fournier e Friedrich Gulda. Comparando o mérito de cada peça, como é óbvio, e se estivéssemos no filme “Expresso do Amanhã” (2013), de Bong Joon-ho, estas cinco sonatas e três conjuntos de variações (dois inspirados por “A Flauta Mágica”, de Mozart, outro assente num tema de “Judas Macabeus”, de Handel) apareceriam numa das últimas, miseráveis, carruagens, entre os fracos e os oprimidos – e a sua passagem a primeira classe diz muito sobre o quão revolucionária e reconstitutiva foi a ação desta parelha. Aqui, nas suas mãos, sem ser necessário sugerir que a sua ambição enquanto compositor permanecia algo suprimida, honra-se o que, desde a primeira hora, mais libertário e emancipatório Beethoven possuiu – e, melhor que Fournier, não houve ninguém, assim, tão capaz de conferir um charme digno de abertura francesa aos adágios iniciais do Op. 5. Do mesmo modo, poucos, como Gulda, conseguiram projetar a melancolia que se pressente no Op. 69 de forma tão serena, como um efeito que tivesse origem em precedentes remotos e não naquilo que o violoncelo acabou de dizer. Tudo isto, e mais (como um Op. 102 definitivo), sem prejuízo do choque que era ver músicos de personalidades e estilos tão contrastantes a tender para o mesmo fim: Beethoven como o ponto em que todo o estereótipo se subverte. Vejam lá bem que até as lojas de discos ganham outra vez movimento.

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