18 de janeiro de 2020

The Comet Is Coming “The Afterlife” (Impulse!, 2019)


Mais um capítulo desta saga, nove meses – apenas – após a edição de “Trust in the Lifeforce of the Deep Mystery”. Portanto, dir-se-ia que “King Shabaka” (Shabaka Hutchings, saxofone tenor), “Danalogue” (Dan Leavers, sintetizadores) e “Betamax” (Max Hallett, percussão) nos guiam da conceção ao parto de um admirável mundo novo. E dão mostras de ser de tal forma movidos a alcaloides que até fica bem lembrar uma frase, aí, da bíblia de Huxley: “Mas eu não quero conforto. Quero Deus. Quero poesia, o perigo autêntico, a liberdade, a bondade. Quero o pecado. […] O direito de ser infeliz. De não ter o que comer [...] e de viver em contínua apreensão face ao dia de amanhã.” Pois, não seja por isso. A abrir “The Afterlife”, na voz de Joshua Idehen, no papel de terceiro anjo do Apocalipse, surge esta advertência: “The comet is coming/ Babylon burn down/ Our time has come/ Our clock has run down.” Para evitar a escatologia cristã, esse corpo celeste encontra-se igualmente no “Épico de Gilgamesh” ou no “Popol Vuh”, por exemplo: “De além do céu, caiu uma grande quantidade de resina [que] acabou por [consumir o Homem].” De facto, a fechar o disco, em ‘The Seven Planetary Heavens’, dá-se por nova ressonância babilónica e, de repente, parece que temos em mãos um título da Impulse! contemporâneo de “Universal Consciousness” (1971) e de “Lord of Lords” (1972), de Alice Coltrane, ou de “Astro Black” (1973) e de “The Nubians of Plutonia” (1974), de Sun Ra – daqueles em que revelação e redenção andam de mãos dadas com o desejo de repatriação e renovação da espécie (há aqui notas pedais em ação de terraplanagem intergaláctica e arpejos arcangélicos a acompanhar cada feto dado à luz). Mas não há hipótese: ligar a válvula de oxigénio de uns ao tubo de escape de outros é sempre cataclísmico.

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