10 de julho de 2010

"To Scratch Your Heart: Early Recordings From Istanbul"


Combinando petulância e sentimentalismo, o título desta compilação evoca Refik Halid Karay, quando se referiu assim o satirista turco à chegada da grafonola a Istambul: “nestas ruas pautadas por cafés, a cacofonia produzida por umas quarenta grafonolas a tocar em simultâneo mastigar-lhe-á aos ouvidos, arranhar-lhe-á o coração e rebentar-lhe-á a cabeça”. Poderá parecer exagero, mas a frase ganhará acutilância se entendermos que o mecanismo não veio substituir o silêncio e sim sobrepor-se ao ruído da cidade que, em 1850, Flaubert previu vir a tornar-se (novamente) o centro do mundo. Porque a Istambul de princípios do século XX, para olhares mais distraídos, era ainda a dos dervixes, a do teatro de sombras Karagöz, do antigo mercado de escravos, do Sultão e do seu harém, das mansões dos Paxás e a das vozes dos gregos, arménios, curdos e dos judeus que falavam ladino (aqueles que a cidade de hoje não quis manter como seus). Istambul, efectivamente, nem era Istambul mas sim Constantinopla, capital do Império Otomano. Por isso, de certa forma, ao coincidirem com o seu fim, ouvem-se estas gravações (predominantemente de solistas dos anos vinte entregues a formas modais clássicas) como um estertor. A ideia, assim exposta, traz à mente William Basinski, quando fala o esteta da desintegração sobre a “morte das melodias”. Uma entrevista sua para a revista “Bomb” terminava, aliás, com a frase: “o mundo acabou, isto é só o som do pó a assentar” – dificilmente se imagina melhor definição para este material. No fundo, como escreve Orhan Pamuk no seu livro de memórias sobre Istambul, trata-se de “hüzün”, a palavra turca para ‘melancolia’ e uma ambígua forma de encarar a vida que tem tanto de afirmação quanto de negação. Entendê-lo é desvendar os segredos desta música que ao pó tornará, mas que por agora interessará manter perto.

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