Será um caso entre muitos, mas tornou-se a certa altura claro que Lobi Traoré era traído pela sua discografia. Não se deverá, aliás, a um erro de cálculo o baptismo do seu quinto álbum como “The Lobi Traoré Group” (2005). Porque se “Bambara Blues” (1992), “Bamako” (1994), “Ségou” (1996) e “Duga” (1999), ainda que progressivamente mais consistentes e libertos de constrangimentos mediáticos, possuíam como maior fraqueza a facilidade com que se adaptavam ao nicho de mercado criado pela ‘descoberta’ de Ali Farka Touré, não se lhes detectava, no entanto, matéria capaz de originar uma explosão de energia como aquela há cinco anos revelada pela Honest Jon’s. De súbito, de um Mali que tinha já o ‘seu’ John Lee Hooker chegava um Jimi Hendrix – ou pelo menos um Jeff Beck. E Traoré, embora no papel não se esgotasse, encarnou a personagem num feérico teatro de estilística à guitarra que noite após noite levou à cena nos bares de Bamako. Alguns (Banning Eyre, editor no afropop.org, Oz Fritz, engenheiro de som associado a Bill Laswell, Damian Rafferty, editor no flyglobalmusic.com ou Damon Albarn, que o chamou para “Mali Music”) presenciaram esses concertos e pareceu-lhes ouvir concentrada numa actuação a história inteira do blues rock. Mas foi pela mão de Chris Eckman, o outrora lisboeta líder dos Walkabouts então na cidade a gravar o grupo tuaregue Tamikrest, que acedeu a uma derradeira entrada em estúdio. E não se supondo sequer que sobre o seu espírito pairasse o espectro da morte – viria a falecer dez meses depois – não se vislumbra mais virtuosa manifestação de ideias no mais calculado dos epitáfios. Meditativo e sereno, deixou para trás canções que se lêem como um testamento afectivo e moral. E sozinho, à guitarra acústica, fez descer à terra uma noite mais escura em que o seu uivo se afundou no Níger para enfim despontar no Mississippi.
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