As cordas são titiladas como se queimassem e imagina-se uma colagem tropicalista com ondas a avançar por entre bananeiras. Também na chicha – como no ié-ié mal-amanhado ou no rock dos anos 70 na Indochina – se eleva na mistura uma surf guitar que sacode areia californiana a cada nota. Tal facto, num período anti-imperialista, não deixará de sugerir uma leitura política mas a verdade é que se trata aqui de música ignorada pelas elites. Por isso – ou por efeitos melhor apreciados por estudos de psicofarmacologia – não convence nenhum destes temas quando fala do voo livre dos pássaros ou do esperançoso raiar do sol. O impulso de fuga nas suas melodias andinas – traduzido num aberrante exotismo que requer exclamativas madeiras, uivos elétricos carregados de estrogénio, teclados demonistas e espaciais baixos pendulares – não apaga da memória a sua razão de ser e confirma a evidência de que o Homem procura outra identidade sempre que de pouco lhe serve aquela com que nasce. A chicha – o nome deriva de uma bebida com propriedades talismânicas – espelha o processo. E, ao reunir gravações fixadas entre 1968 e 1981 – isto é, nos anos das ditaduras militares de Juan Velasco Alvarado e Francisco Morales Bermúdez – esta antologia determina-lhe origem numa subcultura marginal da sociedade peruana: a dos ameríndios dos bairros de lata de Lima. Grupos como Los Destellos, Los Shapis ou Manzanita y su Conjunto cantaram em transe, entregaram-se à mais licenciosa metafísica de bailarico, britaram influências (do pop psicadélico à cumbia colombiana) e colocaram-se no exterior de todas as tradições porque pretendiam exclusivamente excarcerar uma cultura. A revolução nunca lhes bateu à porta. Mas Olivier Conan – proprietário do bar e da editora Barbès em Brooklyn e activista nos Chicha Libre – insiste em corrigir a História.
Trailer de "Los Shapis en el Mundo de los Pobres", filme de 1986. É seguir para o YouTube que o dito cujo é genuinamente imperdível.
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