Abre de forma programática com a frase “pra gente fazer mais um samba/ precisa, meu bem, quase nada/ às vezes um vago desejo/ de alguma paixão já passada/ às vezes um breve perfume/ de alguém que passou na calçada”. E esta ideia de que a música é mais um acto de tradução do que de criação – o que de certa maneira a torna divina e por isso independente do destino dos homens – representa um traço essencial na identidade sambista de Wilson das Neves. Mas porque o samba, para o baterista de 74 anos hoje militante na Orquestra Imperial e nos Ipanemas, é também a própria vida, muitas das canções deste seu terceiro disco de originais – longe dos datados exercícios instrumentais em torno de êxitos internacionais e brasileiros que concentrou em quatro álbuns entre 1968 e 1976 – apontam agora para uma idealização do tempo histórico. Nessa perspectiva, distingue-se no elenco de letristas – que conta ainda com Nelson Rufino, Roque Ferreira, Arlindo Cruz, Nei Lopes, Délcio Carvalho e Vitor Pessoa – a figura tutelar de Paulo César Pinheiro, que tantas vezes sublimou a condição humana e que aqui, em sete temas, vem introduzir características fundamentalmente nostálgicas, como a que em ‘Outono Chegou’ torna a deriva sentimental indistinta dos ciclos da natureza (“o Outono chegou/ no meu peito o arvoredo secou/ já murchou cada ramo de flor/ e a folhagem amarelou”). O conservadorismo da parceria, responsável já por treze sambas em “O Som Sagrado de Wilson das Neves” (1996) e oito em “Brasão de Orfeu” (2004), reforça uma ilusão revisionista da mais dramática beleza: a que integra a voz de Wilson das Neves no primeiro plano de um imaginário que ao longo dos anos ajudou a construir calado e sentado à bateria atrás de Chico Buarque, Clara Nunes, Beth Carvalho ou Elza Soares. Talvez por tudo isso assuma contornos de futuro clássico.
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