Cita
Pessoa mas é camoniano e mais ainda caymmiano. É um rancoroso épico
trágico-marítimo ao serviço de uma estratégia de vingança. A cantora controla
as marés. E o deserto inóspito, a terra seca, a vida gretada pelo mundo servem
apenas o despertar de um torrencial caudal interior que desponta como as
‘Lágrimas’ do velho sucesso de Orlando Silva que abre o disco, e em que canta
“ai, deixa-me chorar para suavizar/ o que não sei dizer, mas sei sentir”, mas
cuja razão se nega com ‘Vive’, inédito de Djavan que conclui que “é inútil
chorar/ (…) minha vida é sua/ como o marinheiro do mar”. Nesse cenário,
previne-se em ‘Calmaria’, de Jota Velloso, que “quem quer singrar os mares/ sem
passar por tempestade/ é melhor fincar na areia/ o barco, a vela, a vontade”, e
em ‘Fado’, de Roque Ferreira, confirma-se o fatalismo de tanta intemperança com
“vais na ventania/ sabendo do naufrágio que o tempo anuncia”. É então que, com
os versos de ‘Calúnia’ (tema que acompanhou o rompimento entre Dalva de
Oliveira e Herivelto Martins no fim dos anos 40), se revela a causa do pelejo:
ao dizer “quiseste ofuscar minha fama/ e até jogar-me na lama/ só porque eu
vivo a brilhar”, Bethânia responde aos que contra si se viraram no ano passado,
por alturas da polémica em torno do financiamento – ao abrigo da Lei Rouanet – do blog “O Mundo Precisa
de Poesia”, no qual auferiria uma remuneração de cerca de 240 mil euros enquanto directora artística. Cancelado
o projeto, num transe sacerdotal a que chamou ‘Carta de Amor’, invoca agora Zumbi,
Jesus, Maria, José, Fátima, Gandhi, Oxum, Iansã, Xangô ou Lázaro e lê um texto
de sua autoria expelindo “eu não provo do teu féu/ eu não piso no teu chão”,
“você está tão mirrado que nem o Diabo te ambiciona” ou “eu posso engolir você/
só pra cuspir depois”. A Rainha do Mar transformou-se no Adamastor. Quem tem
medo de Maria Bethânia?
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