2 de junho de 2012

Maria Bethânia “Oásis de Bethânia” (Biscoito Fino, 2012)


Cita Pessoa mas é camoniano e mais ainda caymmiano. É um rancoroso épico trágico-marítimo ao serviço de uma estratégia de vingança. A cantora controla as marés. E o deserto inóspito, a terra seca, a vida gretada pelo mundo servem apenas o despertar de um torrencial caudal interior que desponta como as ‘Lágrimas’ do velho sucesso de Orlando Silva que abre o disco, e em que canta “ai, deixa-me chorar para suavizar/ o que não sei dizer, mas sei sentir”, mas cuja razão se nega com ‘Vive’, inédito de Djavan que conclui que “é inútil chorar/ (…) minha vida é sua/ como o marinheiro do mar”. Nesse cenário, previne-se em ‘Calmaria’, de Jota Velloso, que “quem quer singrar os mares/ sem passar por tempestade/ é melhor fincar na areia/ o barco, a vela, a vontade”, e em ‘Fado’, de Roque Ferreira, confirma-se o fatalismo de tanta intemperança com “vais na ventania/ sabendo do naufrágio que o tempo anuncia”. É então que, com os versos de ‘Calúnia’ (tema que acompanhou o rompimento entre Dalva de Oliveira e Herivelto Martins no fim dos anos 40), se revela a causa do pelejo: ao dizer “quiseste ofuscar minha fama/ e até jogar-me na lama/ só porque eu vivo a brilhar”, Bethânia responde aos que contra si se viraram no ano passado, por alturas da polémica em torno do financiamento – ao abrigo da Lei Rouanet – do blog “O Mundo Precisa de Poesia”, no qual auferiria uma remuneração de cerca de 240 mil euros enquanto directora artística. Cancelado o projeto, num transe sacerdotal a que chamou ‘Carta de Amor’, invoca agora Zumbi, Jesus, Maria, José, Fátima, Gandhi, Oxum, Iansã, Xangô ou Lázaro e lê um texto de sua autoria expelindo “eu não provo do teu féu/ eu não piso no teu chão”, “você está tão mirrado que nem o Diabo te ambiciona” ou “eu posso engolir você/ só pra cuspir depois”. A Rainha do Mar transformou-se no Adamastor. Quem tem medo de Maria Bethânia?

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