11 de agosto de 2012

Chavela Vargas (1919-2012)


A morte de Chavela Vargas foi anunciada às onze horas e sete minutos da manhã de cinco de agosto por um tweet: “silencio, silencio: a partir de hoy las amarguras volverán a ser amargas... se ha ido la gran dama chavela vargas”. Era um fim esperado, após crónicas complicações de saúde e um recente internamento de urgência em Madrid. Relata María Cortina, sua amiga, agente e biógrafa (editou “Las verdades de Chavela” em 2009), que quando lhe perguntaram no hospital mexicano de Cuernavaca se valia a pena ter viajado até à capital espanhola, a cantora, que aí tinha apresentado “La Luna Grande”, uma derradeira gravação consagrada ao poemário de Federico García Lorca, respondeu que sabia perfeitamente o custo da deslocação, que se tinha assim despedido de Federico, dos seus amigos e de Espanha e que vinha agora morrer ao seu país. A réplica aforística era-lhe característica e na nauseante homilética fúnebre dos últimos dias têm sido repetidos muitos depoimentos seus nesse tom; e reforçado a ideia de que se sabia quem era quando só se conhecia o que representava. No fundo, nada muito distante da função que, em “Saltos Altos”, “Kika”, “A Flor do Meu Segredo” ou “Carne Viva”, desempenhou nos filmes de Pedro Almodóvar: garantir às personagens uma forma de comunicar as suas próprias perplexidades emocionais. Nada na sua herança ficará mais consolidado do que essa profunda singularidade. É por isso pouco exato lembrá-la como cantora de rancheras – pois nenhuma tradição (ainda para menos a mariachi, cujos códigos subverteu inteiramente) lhe ocultará a rebeldia. Dir-se-á antes que, após rejeitar o berço costarriquenho, Vargas se impôs como a única intérprete capaz de realmente dar corpo ao mais intenso cancioneiro de José Alfredo Jiménez, Álvaro Carrillo, Cuco Sánchez ou Agustín Lara. Embora há muito fora de circulação, são desse período (anos 60) as suas gravações cruciais e aí remontam os mais lendários relatos: a relação com Frida Khalo, casos com atrizes norte-americanas de passagem por Acapulco, noites com intermináveis bebedeiras de revólver em riste. Uma vida de luxúria, vício e desapiedada paixão que a lançou no precipício (esteve ‘desaparecida’ durante 15 anos) ao qual, entre outros, Almodóvar a resgatou. O mesmo que às nove horas e nove minutos da noite de cinco de agosto escreveu no mural do Facebook da sua produtora: “Chavela Vargas hizo del abandono y la desolación una catedral en la que cabíamos todos y de la que se salía reconciliado con los propios errores, y dispuesto a seguir cometiéndolos”. Nem mais.

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