A morte de Chavela Vargas foi anunciada às onze horas e sete minutos da
manhã de cinco de agosto por um tweet:
“silencio, silencio: a partir de hoy las
amarguras volverán a ser amargas... se ha ido la gran dama chavela vargas”.
Era um fim esperado, após crónicas complicações de saúde e um recente
internamento de urgência em Madrid. Relata María Cortina, sua amiga, agente e
biógrafa (editou “Las verdades de Chavela” em 2009), que quando lhe perguntaram
no hospital mexicano de Cuernavaca se valia a pena ter viajado até à capital
espanhola, a cantora, que aí tinha apresentado “La Luna Grande”, uma derradeira
gravação consagrada ao poemário de Federico García Lorca, respondeu que sabia
perfeitamente o custo da deslocação, que se tinha assim despedido de Federico, dos
seus amigos e de Espanha e que vinha agora morrer ao seu país. A réplica
aforística era-lhe característica e na nauseante homilética fúnebre dos últimos
dias têm sido repetidos muitos depoimentos seus nesse tom; e reforçado a ideia
de que se sabia quem era quando só se conhecia o que representava. No fundo,
nada muito distante da função que, em “Saltos Altos”, “Kika”, “A Flor do Meu
Segredo” ou “Carne Viva”, desempenhou nos filmes de Pedro Almodóvar: garantir
às personagens uma forma de comunicar as suas próprias perplexidades
emocionais. Nada na sua herança ficará mais consolidado do que essa profunda
singularidade. É por isso pouco exato lembrá-la como cantora de rancheras – pois nenhuma tradição (ainda
para menos a mariachi, cujos códigos
subverteu inteiramente) lhe ocultará a rebeldia. Dir-se-á antes que, após
rejeitar o berço costarriquenho, Vargas se impôs como a única intérprete capaz
de realmente dar corpo ao mais intenso cancioneiro de José Alfredo Jiménez,
Álvaro Carrillo, Cuco Sánchez ou Agustín Lara. Embora há muito fora de
circulação, são desse período (anos 60) as suas gravações cruciais e aí
remontam os mais lendários relatos: a relação com Frida Khalo, casos com
atrizes norte-americanas de passagem por Acapulco, noites com intermináveis
bebedeiras de revólver em riste. Uma vida de luxúria, vício e desapiedada
paixão que a lançou no precipício (esteve ‘desaparecida’ durante 15 anos) ao
qual, entre outros, Almodóvar a resgatou. O mesmo que às nove horas e nove minutos
da noite de cinco de agosto escreveu no mural do Facebook da sua produtora: “Chavela Vargas hizo del abandono y la
desolación una catedral en la que cabíamos todos y de la que se salía
reconciliado con los propios errores, y dispuesto a seguir cometiéndolos”.
Nem mais.
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