25 de agosto de 2012

Sierra Leone’s Refugee All Stars “Radio Salone” (Cumbancha, 2012)



A edição fora de África de música africana contemporânea é normalmente acessória a uma problemática que se presume que lhe seja endémica e que se revela mais uma questão de consciência do que de ciência: a da representação do real. E, numa certa perspectiva amplamente mediatizada, um pouco ao jeito do que no mundo da literatura aconteceu com Ishmael Beah, no cenário de devastação que acompanhou as guerras civis na Libéria e na Serra Leoa ao longo dos anos 90 dificilmente se encontraria trupe cuja efectiva existência se provasse mais inspiradora do que a dos Sierra Leone’s Refugee All Stars, embora operassem estes no sentido contrário ao da narrativa contada pelo menino soldado. Porque, e este seu terceiro álbum glorifica a tendência de modo indubitável, a missão dos sobreviventes serra-leoneses improvisadamente agremiados em campos mantidos na Guiné pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados é, essencialmente, uma de transcendência. O que, muito paralelamente, relembra também que, por se fixar em expressões tradicionais em vez de populares, nem sempre se salvaguardam no Património Oral e Imaterial da Humanidade da UNESCO aqueles que no coração das trevas encontram força para verdadeiramente refundar a fantasia. De outra coisa não trata “Radio Salone”, numa redentora e resiliente expressão capaz de trazer à memória antigos expoentes da música moderna serra-leonesa, que, mantendo uma singular disposição antilhana, estabeleceram no seu tempo uma vibrante ligação entre rumba e afrobeat, como Sabanoh 75, Super Combo Kings, Afro National Band ou Muyei Power, há anos esquecidos e, no presente quadro de pequenas editoras consagradas à reedição de clássicos africanos das décadas de 60 e 70, inexplicavelmente ausentes de qualquer antologia. O que só torna este lançamento ainda mais precioso.

(Trailer do doc. "Sierra Leone's Refugee All Stars", 2005, realizado por Zach Niles e Banker White)

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