Se
a mais fantasiosa construção sobre música cigana do último decénio se pariu em Manhattan
– através dos Gogol Bordello do ucraniano Eugene Hütz – e se, por exemplo, a
ressurreição estética da chicha
peruana muito deve à ação de um francês residente em Brooklyn – Olivier Conan,
da editora Barbès e do grupo Chicha Libre – não será propriamente pela
improvável procedência que causa agora espanto esta esfuziante celebração. Aliás,
Francis Falceto, o organizador da infinitamente exótica Éthiopiques, acabou de produzir,
para a subsidiária Ethiosonic, uma compilação consagrada a música contemporânea etíope (“Noise & Chill Out – Ethiopian Groove
Worldwide”, em que participaram Kronos Quartet, Either/Orchestra ou The Ex) evitando
restringir-se aos códigos postais de Adis Abeba e na qual incluiu precisamente
esta Debo Band, originária de Boston. Mas que os seus 11 elementos liderados
pelo saxofonista Danny Mekonnen – entre os quais se alinham instrumentistas das
mais variadas proveniências e, só para adoçar a história, se distingue um soprador
dedicado ao sousafone, idealizado em finais do século XIX pelo luso-descendente
John Philip Sousa – realizem variações sobre matrizes originais um pouco mais
substantivas do que aquilo que no cinema se designaria como ‘filme de época’
será já motivo de admiração. E, no entanto, é disso mesmo que aqui se trata – disso
e de uma visão pluralista do mundo capaz de rejeitar aquele patrulhamento da
dignidade étnica que ainda controla os quatro cantos da diáspora digital e que,
presumivelmente, em semelhante desiderato, nunca esbarrou com a ‘Grândola, Vila
Morena’ tocada pela Liberation Music Orchestra, Revueltas interpretado pelo
Willem Breuker Kollektief, Satie pela Vienna Art Orchestra ou até, lá está,
Mulatu Astatke a quintessenciar aquela coisa rigorosamente etíope chamada
“Afro-Latin Soul”.
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