No
“Manifesto Antropófago”, por entre ocasionais referências à lábia lusitana e empregando
uns quantos aforismos de fazer inveja a Millôr Fernandes, concluía exuberante e
telegraficamente em 1928 o modernista brasileiro Oswald de Andrade: “Só a antropofagia
nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo.
Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De
todas as religiões. De todos os tratados de paz. Tupi, or not tupi that is the
question”. A alegoria – embora Pero Fernandes, o bispo deglutido pelos índios
caetés em meados do século XVI, se pudesse opor à classificação – aprofundava esquematicamente
o anterior “Manifesto da Poesia Pau-Brasil” e, de certa forma, preconizava a
instância cultural pós-geográfica e atemporal que teoristas digitais e áugures
da crítica contemporânea, incrédulos face à contínua imaterialidade das suas
previsões, consideram muito dos nossos dias, que nos anos 60 serviu já de lenha
à prática tropicalista de Caetano Veloso e demais baianos e que Olivier Conan e
restantes Chicha Libre, já agora, procuram de uma só vez transferir para os sincretistas
originais da chicha peruana (ameríndios
dos bairros de lata de Lima como Los Destellos, Los Shapis ou Los Mirlos) e
para a sua própria ação (no grupo nova-iorquino militam dois franceses, um
venezuelano, dois norte-americanos e um mexicano). “Canibalismo”, no máximo, é
um ringue de vale-tudo (mas mesmo tudo, “Cavalgada das Valquírias” inclusive)
estilístico que obriga a uma inoportuna reflexão sobre exploração económica,
aculturação ou o absurdo da atual reiteração de conceitos de especificidade
racial, artística ou etnomusicológica; no mínimo, sacia uma infinita sede de
exotismo como um placebo, não possuindo as propriedades do produto genuíno mas operando
milagres nos corpos certos.
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