Em meados de abril, Mitchell e
Taborn encontraram-se na lista de premiados da Fundação Doris Duke. Noutro
país, o acesso a galardões desta natureza vem no seguimento de uma certa
transigência. No caso, basta ouvir estes discos em que se reuniram com um
percussionista que tenta permanecer anónimo para se perceber que, aqui, se
mantêm tão íntegros quanto desconcertantes. Os registos resultam das mesmas
sessões de gravação de 2013. E dir-se-iam comungar de um ritual feito com a
intimidade do orientalismo, não fosse o facto de abdicarem da delicadeza e de
se provarem intimidatórios. A salva inicial de “I” é algo expletiva, de uma
saraivada que Mitchell intensifica com ruídos salivais, sádicos uivos, raivosos
silvos. O restante alinhamento, e tanto do segundo CD, trata de desintegração, corrompido
por borbotos de anacronismos digitais e analógicos bolores. Há uma aragem de
canaviais e uma floresta de gongos e quinquilharia chinesa e, quando Taborn
recorre ao piano acústico, o som de um rio que se suicida numa cascata. Mitchell,
decano do Art Ensemble of Chicago, há muito que se tornou um invulgar escultor,
desses cuja única ligação à realidade é essa, tão evidente, de trabalharem a
partir do espaço vazio. Agora, mais do que dialogar com as margens do jazz,
conversa com a periferia das suas abstrações. Notável.
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