15 de novembro de 2014

Miles Davis “Miles at the Fillmore – Miles Davis 1970: The Bootleg Series Vol. 3” (Sony, 2014)



De volta a 1970, como um detetive que regressa a um caso arquivado. Fala-se, claro, daquele conjunto de ações que, no mundo do jazz, fileiras mais reacionárias tomaram por uma deserção. Mas já então era óbvio que nada havia pelo que punir Miles Davis. Pelo menos num código penal em que uma cobra não seja condenada à prisão por mudar a pele. É o que nos dizem as provas: “Bitches Brew”, “A Tribute to Jack Johnson”, “Live-Evil”, gravações espalhadas por “Big Fun” ou “Get Up With It”, “Black Beauty”, “At Fillmore” (de que a presente edição vem dar a visão integral) ou “Live at the Fillmore East, March 7, 1970”. Parece trabalho para uma vida inteira mas mais não é do que o registo de um punhado de meses em que as bandas de Miles deixavam o exo-esqueleto pelos palcos e estúdios por que passavam. Entre 17 e 20 de junho de 1970 não foi diferente. Há, ao longo destes quatro discos, um núcleo constituído por ‘Directions’, ‘The Mask’, ‘It’s About That Time’ e ‘Bitches Brew’ dado a dissonância e distorção, um contínuo estudo de contrastes (por exemplo, em “At Fillmore” Steve Grossman quase só se ouvia ao soprano e aqui surge alternadamente no saxofone tenor), um vago sentimento de dissociação que Dave Holland, Jack DeJohnnette e Airto Moreira nunca permitem que se torne dominante, uma música que explora textura e densidade e que permanece misteriosamente cristalina, que se crê estática e, no entanto, não para de se mexer, e, fundamentalmente, não tanto um jogo de pingue-pongue entre Chick Corea e Keith Jarrett quanto aquele em que um faz de trovão e o outro de relâmpago. Há um imenso enigma e uma só solução. Essa detinha-a Miles.

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