29 de novembro de 2014

“Tropicália ou Panis et Circensis” (Soul Jazz, 2014)



Nova reedição para um manifesto em que até os defeitos são congeniais. Ou seja, ainda não foi desta que se endireitou o que em 1968 nasceu torto: os metais em ‘Miserere Nobis’ mantêm-se desafinados, o final de ‘Batmacumba’ continua colado a cuspo, a métrica de ‘Mamãe Coragem’ insiste em engasgar Gal Costa, etc. Por isso nem é grave que, ali, no lado direito da fac-similada capa, naquela tira informativa a que os japoneses chamam obi, seja o alinhamento do primeiro LP de Gilberto Gil – que a Soul Jazz relançou em 2013 – que se reproduz, e não propriamente o deste disco. Afinal, trata-se do mesmo objeto que citava de modo impreciso o famoso metonímico de Juvenal: aquele que se sintetiza por panem et circenses e que se conserva como uma definitiva caracterização das manobras de diversão a que recorrem as classes dirigentes de todas as eras. Em “Verdade Tropical”, Caetano Veloso explica como “em meio à iconoclastia tropicalista, a reverência às letras clássicas era a última das exigências a ocorrer a alguém”. Até porque, lá está, relembrava este compêndio de imperfeições em que se provocava através do pasticho e da paródia, por exemplo, sem jamais procurar a proteção da mimese. O interesse, se é que é possível generalizá-lo, seria, antes, alcançar de um só golpe a tragédia e a comédia que se acha em tudo o que se relaciona com o humano. Aqui, toda a letra é polissémica, toda a música polimórfica. É a mais celebrada alegoria para a história da música popular brasileira e sua receção: tem poemas de Capinan e Torquato Neto, vozes e composições de Caetano, Gil, Nara, Tom Zé, Gal, Rita Lee e os Mutantes e arranjos de Duprat. Disputa o retrocesso civilizacional, e o seu inverso também.

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