24 de janeiro de 2015

Blue Note: Uncompromising Expression – The Singles Collection (Blue Note, 2014)



Não é disso que fala o título desta antologia. Mas, inversamente proporcional ao vínculo com o mais indulgente ecletismo patrocinado pelos que hoje lhe conduzem os destinos, o descomprometimento que da análise dos seus conteúdos se depreende parece ser, antes de mais, com a própria biografia original da Blue Note. Porque nem era assim tão absurdo o que se pretendia – celebrar o virtual 75º aniversário de uma das mais emblemáticas chancelas da história do jazz por meio da evocação de 75 dos seus singles –, havendo, até, uma forma de o alcançar que se diria irrepreensível: coligir em exclusivo material lançado até 1951, isto é, correspondente ao período em que o single se provou de facto o inevitável fonograma de que a editora se socorreu. Mas não, ao aventurar-se de modo predominante pela era moderna – e inclusivamente contemporânea – das suas produções, isto é, após Alfred Lion e Frank Wolff terem dado início ao fabrico dos seus primeiros LP, e já depois da dispersão do seu catálogo por grandes conglomerados, o retrato que aqui se propõe é, acima de tudo, um que destrói a mais iconográfica das suas identidades mediáticas: aquela que se associa aos definitivos testemunhos de Wayne Shorter, Bobby Hutcherson, Andrew Hill, Herbie Nichols, Larry Young, Tony Williams, Don Cherry, Sam Rivers, Grachan Moncur III, Cecil Taylor ou Eric Dolphy (ainda que apenas por “Out to Lunch”), todos daqui ausentes porque, lá está, e como admitia Richard Cook em “Blue Note Records: The Biography”, os seus “cogentes programas de música” eram essencialmente consagrados à longa duração. Ou seja, a ativação do single enquanto dispositivo comercial sujeitava-se exatamente às convenções de mercado que, no geral, a Blue Note procurava contrariar. Aliás, a ambivalência que as designações “Uncompromising Expression” e “The Singles Collection” contiguamente acarretam já é, de si, desconcertante: invoca-se a mais antiga declaração de princípios dos fundadores da Blue Note (uma ação pensada “para favorecer, sem qualquer compromisso, a expressão do hot jazz e do swing”, traduzidos numa “manifestação social e musical” em que interessa reconhecer “o seu impulso e não os seus adornos comerciais e sensacionalistas”, escreviam eles em 1939) para, precisamente através do formato em que a indústria mais homogeneizou essa cultura e, por isso, privilegiando o que de mais formulário, oportunista e redutor veio a editora a abrigar, logo promover uma recusa dos seus valores. Não é isso o revisionismo?

Sem comentários:

Enviar um comentário