31 de janeiro de 2015

Dom Um Romão “Dom Um Romão/Spirit of the Times” (Soul Brother, 2014)



Por arrasto invocando o espírito de Doum, há uma oração a Cosme e Damião que fala do “poder de aniquilar qualquer efeito negativo de causas decorrentes do passado e presente”. Nessa fé batizado, outra coisa não propunha Dom Um (1925-2005) sempre que nas baquetas pegava, projetando uma música à altura dos seus oragos, desses santos que no altar do seu nome possuíam textual domicílio. Não exigia maior utopia do que aquela que pressupunha um Brasil para todos, uma América do Sul sem defeitos, invulnerável aos muitos desgostos da sociedade moderna. E, no entanto, talvez por acompanhar de perto acontecimentos que em tudo contrariavam esse seu desejo mais profundo, há poucos discos mais intransigentes do que aqueles que produziu no ano do Golpe Militar – um para si, outro para Flora Purim, de que era marido – antes de partir para os Estados-Unidos como quem foge à prisão. Para trás ficava a aventura no jazz praticamente geométrico dos Copa Trio, Copa 5 ou Trio 3D. De momento, concentrava-se na mistificação a que recorria para sobreviver ao lado de Sérgio Mendes e Astrud Gilberto: a de que o sotaque brasileiro era uma afetação desligada da ideia de progresso. Mas bastou um par de anos ao serviço dos Weather Report, formação que rejeitava a própria hipótese de neutralidade, e, por conseguinte, estranhar-se mais ainda de si mesmo, para se tornar a encontrar. Nesse período, entre 1972 e 1973, as suas excelsas gravações para a Muse, agora reunidas, remetem para um local em que vicejava uma espécie de avesso do épico, edificado por nativos de sexo eternamente exposto, endoados por muitos bruxedos mas enredados numa lúcida luxúria. Consigo: Dom Salvador, João Donato, Sivuca, Amaury Tristão, Joe Beck, Lloyd McNeil, Jerry Dodgion, Stanley Clarke e as almas dos que a sua música curava.

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