27 de junho de 2015

Burning Spear “Social Living” (Island/Caroline, 2015) & Culture “On The Front Line: The Virgin Front Line Albums” (Virgin/Caroline, 2015)



Tinham o olhar chamuscado pela desconfiança e pelo desdém, estriado pela troça e pelo temor. E faziam questão em deixar-se fotografar cercados de volutas de fumo branco, eucarístico, contínuo, contrário aos sinais dos índios, no qual se embrulhavam como numa mortalha. Do mundo sabiam o nome dos mártires, que cantavam, em refrães que tanto pareciam enxames envenenados por agoiros quanto alados rifões pela paz. O seu messias, Hailé Selassié, em 1963, num discurso às Nações Unidas, leu-lhes o manifesto: “Enquanto não for permanentemente desacreditada a filosofia que declara uma raça superior a outra; enquanto existirem cidadãos de primeira e de segunda; enquanto a cor da pele for mais importante do que a cor dos olhos; enquanto não forem garantidos a todos por igual os mais básicos direitos humanos; até esse dia, os sonhos de paz, cidadania mundial e governo de uma moral internacional irão continuar a ser uma ilusão, perseguida mas jamais alcançada. Igualmente, enquanto não forem superados e destruídos os ignóbeis regimes que suprimem os nossos irmãos em Angola, Moçambique e África do Sul; enquanto a compreensão, a tolerância e a boa vontade não substituírem o fanatismo, os preconceitos e a malícia; enquanto não se levantarem e falarem como seres livres todos os africanos, iguais aos olhos dos homens, como são no céu; até esse dia, o continente africano não conhecerá paz. Lutaremos, se necessário, e sabemos que iremos vencer, pois somos confiantes na vitória do bem sobre o mal.”

Com espuma na voz, e ideologia convertida em cinzas, outra coisa não repetiam Winston Rodney (Burning Spear) e Joseph Hill (Culture) em 1978, quando gravaram estes discos. Como pano de fundo, uma Jamaica à beira da guerra civil, com aviões enviados pela CIA a vomitar armas sobre os bairros de lata de Kingston como quem semeia ruínas e o FMI a esvair a economia em sangue com extorsionárias taxas de juro. Ainda assim, o facto do ano foi o “One Love Peace Concert”, com Bob Marley a juntar em palco Michael Manley e Edward Seaga como quem obriga irmãos desavindos a fazer as pazes. Mas sabe-se que os rastafáris estavam do lado de Manley e de medidas sociais (sistema nacional de saúde, escola pública, salário mínimo, programas de literacia para adultos, reforma agrária) que se diriam saídas da pena de Marcus Garvey. “Social Living” fala de tudo isso – a reedição inclui as versões dub dos temas – de modo perfeitamente exponencial, e com Rodney estão os membros dos Aswad (Brinsley Forde, Angus Gaye, Donald Griffiths, George Oban e Courtney Hemming), bem como Sly Dunbar e Robbie Shakespeare. Também aos Culture (de Hill, Albert Walker e Kenneth Paley) se juntaram baterista e baixista para as sessões que, entre 78 e 79, a Front Line lançou enquanto “Harder Than the Rest”, “Cumbolo” e “International Herb” (um quarto álbum, “Black Rose”, então arquivado, permanecia até aqui inédito). E o que se ouve é a promoção da dignidade, da consciência, da união e de tudo o que se deve fazer por amor.

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