11 de maio de 2019

Schubert: Sonatas & Impromptus (ECM, 2019)

Num Podcast recente, a propósito do recurso a instrumentos de época e das questões de legitimidade que os acompanham como uma rémora a um tubarão, Isabelle Faust revelou a conversar o mesmo controlo que manifesta a tocar: “Não gosto da expressão ‘historicamente informada’. Prefiro falar em interpretação historicamente curiosa.” Há coisa de 25 anos, a referir-se ao tema de modo muitíssimo menos circunspeto, András Schiff declarava o seguinte: “Por sorte, a música para piano de Schubert ainda não foi descoberta pelos especialistas em réplicas da Graf.” Percebe-se perfeitamente o que queria dizer, embora tomasse o instrumento errado para termos de comparação: não obstante Schubert o tocar, o pianoforte construído por Conrad Graf nunca se adaptou às necessidades da sua obra (ao contrário de modelos criados por Anton Walter ou Heinrich Elwerkember, em que compôs os derradeiros opúsculos). Seja como for, em busca daquilo que as artes visuais caracterizam como espaço negativo, presume-se, foi com um Bösendorfer Imperial que Schiff gravou a integral das sonatas de Schubert (lançada pela London, entre 1993 e 1995).

Não admira que, em 2015, quando a ECM colocou no mercado um CD em que o pianista húngaro tocava as sonatas D 894 e D 960 bem como os “Momentos Musicais” (D 780) e os “Improvisos” (D 935) num pianoforte de 1820, Schiff se tenha sentido na obrigação de tornar pública uma carta a que chamou “Confissões de um convertido”, verdadeiro ato de contrição em que propunha emendar-se e nunca mais tornar a ofender, como um bom católico. Atribuía tão radical mudança de proposição à aquisição de um instrumento particular: “O meu pianoforte foi construído por Franz Brodmann, em Viena. Em meu entender, adequa-se como nenhum outro à obra para teclado de Schubert: há algo de profundamente vienense no seu timbre, na sua terna delicadeza, na sua melancólica cantabilità.” De facto, mais nos “Momentos Musicais” do que nas sonatas, o Schubert que aí estava parecia falar tão baixinho e tão honestamente que se diria um penitente num confessionário – nas gravações ao Bösendorfer dava-se pelo mesmo, o que sugere que a faculdade de Schiff conceber estas obras não depende assim tanto do instrumento de que faz uso. Aqui, prolonga e de certa forma aprofunda esse efeito, sobretudo através dos “Improvisos” (D 899) e da “Sonata em Lá maior” (D 959), em que, como poucos, lima as arestas ao que de mais incongruente sobressai nestas peças, que é tudo aquilo, da vida, a que se agarra e a que ao mesmo tempo não consegue já lançar mão quem está prestes a morrer.

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