Textos publicados no semanário português Expresso/ Articles published on the Portuguese weekly Expresso
30 de janeiro de 2013
26 de janeiro de 2013
Moreno and L’Orch First Moja-One “Sister Pili + 2” (Sterns, 2012)
Moreno (nascido Batamba Wendo
Morris na antiga Stanleyville, hoje Kisangani, capital da Província Oriental da
República Democrática do Congo), naquele que será o menor dos paradoxos que lhe
condicionaram a carreira, foi um extraordinário cantor de soul que nunca experimentou o género. Transformando a mesma
aspereza vocal de Sam Cooke, por exemplo, numa espécie de entrincheiramento
tonal, foi, primeiro no Uganda, com a Orchestra Bana Ngenge, depois na
Tanzânia, nas fileiras da Safari Sound, e, por fim, no Quénia, nos agitados e
povoados poleiros das bandas Les Noirs, Shika Shika ou Virunga, que ganhou
notoriedade enquanto singular sincretista, capaz de unir a expressividade
melódica da rumba congolesa às particularidades, maioritariamente, rítmicas do benga queniano, operando revisões tão
dramáticas que se tornava quase impossível destrinçar uma da outra. Mas claro
que a mais perversa anomalia no seu percurso terá sido a morte prematura em 1993,
aos 38 anos, quando a sua cassete “Vidonge Sitaki” vendia que nem chapatis
quentes nos mercados de Nairobi. Era, então, um regresso à popularidade obtida
dez anos antes com “Sister Pili”, o álbum agora reeditado com um par de irresistíveis
inéditos de 1977. Em quatro temas (todos a rondar os 10 minutos), o seu
barítono rivaliza guturalmente com os trémulos nas guitarras (o segundo
vocalista, Coco Zigo Mike, tratava dos agudos), faz comentário social em kiswahili, lingala e, ocasional e humoristicamente, em francês e inglês com o
zelo de um radialista local, enxuta dedicatória amorosa (Pili era, à altura, a
sua namorada) e, fundamentalmente, comunica com uma facilidade tão franca que
parece dissimular o essencial da sua produção: um inteligente modelo interpretativo
e um esquisso arquitetónico da fusão de sensibilidades das costas africanas a ocidente
e oriente.
O que aí vem
Música do Mundo
Desconhecem-se os cartazes dos festivais
de verão, mas crescem as expectativas em relação ao FMM de Sines, que, para a
sua 15ª edição, adianta-nos em primeira mão a reincidência de Amadou &
Mariam, bem como, haja paz, de outros compatriotas malianos. Para já, sempre em
matéria de concertos, registem-se as iminentes chegadas de Milton Nascimento
(Espaço Brasil), Paco Ibáñez (Gulbenkian) e, ainda em fevereiro, Diego el
Cigala (CCB e Casa da Música). Depois, com a primavera, aguardam-se odores mediterrânicos
na capital com as visitas de Savina Yannatou (CCB) e Jon Hassell (MM) e, entre
abril e maio, evocam-se duas idades do flamenco com Dave Holland & Pepe
Habichuela (Casa da Música) e a Accademia del Piacere (Gulbenkian). Antes, pelo
meio e depois disto tudo, canta-se com o sotaque mais imitado no país: Martinho
da Vila, Daniela Mercury e Marisa Monte vêm aos coliseus, Adriana Calcanhotto passeia
em cinco cidades, Maria Rita fecha as festas juninas e, no âmbito do “Ano do
Brasil em Portugal” (leia-se Lisboa), espera-se um elenco de dezenas na Lx
Factory presumivelmente - tem havido confusão nos editais – encabeçado por Passo
Torto, Thaís Gulin, Tulipa Ruiz, Wilson das Neves ou Zé Miguel Wisnik.
23 de janeiro de 2013
19 de janeiro de 2013
Kiki Gyan “24 Hours in a Disco: 1978-82” (Soundway, 2012)
No Gana, em Acra, milita ainda
adolescente nos Blues Monks, de Ebo Taylor, ou nos Pagadeja, de Ray Allen, mas
foi enquanto Kiki Djan que ganhou notoriedade, quando, por entre o expatriado
grémio de ganeses e caribenhos reunidos em Londres nos Osibisa, subia ao palco
do “Top of the Pops” e se sentava ao teclado para animar pálidas britânicas
como se fosse o Stevie Wonder. E ouvindo-se os três álbuns que gravou com a
banda encontram-se as sementes – ‘Kangaroo’ em “Osibirock” (1974), ‘Do It (Like
It Is)’ em “Welcome Home” (1975) ou ‘Dance the Body Music’ em “Ojah Awake”
(1976) – para tão luxuriante produção em nome próprio. Mas é no contexto
específico do disco sound tardio, quando
o edifício estético em que o género assentava havia já recebido o aviso de
demolição mas nas tabelas europeias pupulavam ainda Gonzalez, Skyy, Voyage,
Odyssey, Kano, Imagination ou Ottawan, que se compreende o essencial desta colossal
manobra de hedonismo. E, nos últimos anos, apenas em “Brand New Wayo: Funk,
Fast Times & Nigerian Boogie Badness 1979-1983” se ouviram com o mesmo grau
de emoção tantas coisas ridículas (uma eternidade de falsetes cantados como
quem exala hélio, violinos tocados com o repentismo da dança rítmica e baixos a
ronronar como gatos pançudos). Com mote no máxi
“24 Hours in a Disco”, que, em 1979, a Bronze lançou como banda-sonora para
bacanais em boates, incluem-se aqui temas de “Feeling So Good” ou do apropriadamente
propulsivo “Disco Train”, editados já na Nigéria, onde namorava uma filha de
Fela Kuti, tocava com Jake Sollo e chutava e inalava com toda a gente. Produziu
mais um par de discos mas definhou, passando por clínicas de desintoxicação e
acabando nas ruas a contar histórias de grandeza e desilusão por uns trocos. Faleceu
em junho de 2004, emaciado pela sida, sem uma grama daquilo que mais pôs na
música: gordura e alegria.
Vinicius Cantuária “Índio de Apartamento” (Naïve, 2012)
Integrando três formações
essenciais para a modernidade na música popular brasileira da década de 70 – no
trio Terço, na Banda Atômica de Jorge Mautner e na Outra Banda da Terra de
Caetano Veloso – é natural que Vinicius Cantuária goze de uma biografia
artística de subentendidos. E dado o magnetismo dos astros que orbitou, nem
sempre tornando explícitas as suas contribuições, essa condição periférica
ocultou outra: a origem em Manaus, metrópole amazónica edificada sobre lama,
borracha e igaçabas, sede de uma distinta sensibilidade que Cantuária credita à
cultura indígena. E, no entanto, relembrando a sua discografia nativa (o
homónimo de 1982, “Gávea de Manhã”, de 1983, “Sutis Diferenças”, de 1984, “Siga-me”,
de 1985, ou “Nu Brasil”, de 1986), nota-se uma progressiva distanciação desses
característicos traços, numa ação redundante, de alguma futilidade, e da qual,
não obstante interessantes parcerias e notáveis participações, fica a memória
de um desvanecimento autoral e o sabor das oportunidades perdidas. De facto,
apenas na sua remota estreia a solo – elegante, sóbria e anacrónica – se encontram
aquelas promessas de que pareciam cheios os seus discos mais recentes. Mas
esses, a partir de “Sol na Cara”, de 1996, dependem do retomar da perspetiva
previamente enunciada: sair do Brasil, para Nova Iorque, e tornar-se
objetivamente estrangeiro e, por definição, mais brasileiro – como uma inversão
do operado pelo seu cúmplice Arto Lindsay. “Índio de Apartamento” é, talvez, da
dezena de álbuns lançados fora do seu país nos últimos 15 anos, aquele que
melhor dá consequência ao inaugural de há 30, mas numa atmosfera rarefeita, de
um inédito despojamento, como num espaço (o titular) em que só há já ar para
um. Por isso, revelam-se ainda mais cruciais as elementares contribuições de
Sakamoto, Frisell, Laginha ou Norah Jones.
16 de janeiro de 2013
12 de janeiro de 2013
Kayhan Kalhor “I Will Not Stand Alone” (World Village, 2012)
A música que Kayhan Kalhor e Ali
Bahrami Fard vêm apresentar à Culturgest*, inspirada pela repressão aos protestos
que se seguiram ao anúncio da vitória de Ahmadinejad nas eleições presidenciais
de 2009 no Irão, é, em disco (“I Will Not Stand Alone”), tanto um elegíaco ciclo
quanto um resistente clamor. E a opção dos músicos em mergulhar mais nas
sombras dos graves (Kalhor estreia no álbum uma variante do kamancheh criada pelo prestigiado luthier Peter Biffin, cujo acréscimo de
cordas permite uma aproximação àquela crueza reverberante e textural da viola
da gamba, e Fard apresenta-se no santour
baixo, de 96 cordas, percutido por plectros, espécie de Bösendorfer Imperial do
universo dos címbalos) deve ser compreendida sob esse prisma. Pois, aqui, tudo
emana das trevas – fé, arte e política, num mesmo cárcere. Mas Kalhor, que, no
passado, em registos com o Kronos Quartet, com o projeto Silk Road, de Yo-Yo Ma,
ou nas suas colaborações com o indiano Shujaat Husain Khan e com o turco Erdal
Erzincan (editadas pela ECM), sempre salvaguardou princípios de tolerância com
uma certa ecumenicidade, subverte as expectativas do próprio luto, acendendo
uma centelha nas profundezas, transformando ardor em combustível através de fórmulas
melismáticas que arrancam as entranhas às modalidades clássicas persas. Sobre o
tumulto criado por Fard, que toca como se precisasse de acender 96 pavios com recurso
a um único fósforo, Kalhor procede quase como um vândalo da melancolia, ornando
em espirais as colunas que sustentam as ruínas do mundo, numa abundância de
notas e efeitos, um desamparado hinologista numa câmara escura contando os
raios de sol, articulando um pedido de misericórdia e um arrependido lamento pelo
verdugo que há no Homem.
*Kayhan
Kalhor & Ali Bahrami Fard
Culturgest, Lisboa
Sex, 18 de Janeiro, 2013
Grande Auditório, 21h30
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