A música que Kayhan Kalhor e Ali
Bahrami Fard vêm apresentar à Culturgest*, inspirada pela repressão aos protestos
que se seguiram ao anúncio da vitória de Ahmadinejad nas eleições presidenciais
de 2009 no Irão, é, em disco (“I Will Not Stand Alone”), tanto um elegíaco ciclo
quanto um resistente clamor. E a opção dos músicos em mergulhar mais nas
sombras dos graves (Kalhor estreia no álbum uma variante do kamancheh criada pelo prestigiado luthier Peter Biffin, cujo acréscimo de
cordas permite uma aproximação àquela crueza reverberante e textural da viola
da gamba, e Fard apresenta-se no santour
baixo, de 96 cordas, percutido por plectros, espécie de Bösendorfer Imperial do
universo dos címbalos) deve ser compreendida sob esse prisma. Pois, aqui, tudo
emana das trevas – fé, arte e política, num mesmo cárcere. Mas Kalhor, que, no
passado, em registos com o Kronos Quartet, com o projeto Silk Road, de Yo-Yo Ma,
ou nas suas colaborações com o indiano Shujaat Husain Khan e com o turco Erdal
Erzincan (editadas pela ECM), sempre salvaguardou princípios de tolerância com
uma certa ecumenicidade, subverte as expectativas do próprio luto, acendendo
uma centelha nas profundezas, transformando ardor em combustível através de fórmulas
melismáticas que arrancam as entranhas às modalidades clássicas persas. Sobre o
tumulto criado por Fard, que toca como se precisasse de acender 96 pavios com recurso
a um único fósforo, Kalhor procede quase como um vândalo da melancolia, ornando
em espirais as colunas que sustentam as ruínas do mundo, numa abundância de
notas e efeitos, um desamparado hinologista numa câmara escura contando os
raios de sol, articulando um pedido de misericórdia e um arrependido lamento pelo
verdugo que há no Homem.
*Kayhan
Kalhor & Ali Bahrami Fard
Culturgest, Lisboa
Sex, 18 de Janeiro, 2013
Grande Auditório, 21h30
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