Moreno (nascido Batamba Wendo
Morris na antiga Stanleyville, hoje Kisangani, capital da Província Oriental da
República Democrática do Congo), naquele que será o menor dos paradoxos que lhe
condicionaram a carreira, foi um extraordinário cantor de soul que nunca experimentou o género. Transformando a mesma
aspereza vocal de Sam Cooke, por exemplo, numa espécie de entrincheiramento
tonal, foi, primeiro no Uganda, com a Orchestra Bana Ngenge, depois na
Tanzânia, nas fileiras da Safari Sound, e, por fim, no Quénia, nos agitados e
povoados poleiros das bandas Les Noirs, Shika Shika ou Virunga, que ganhou
notoriedade enquanto singular sincretista, capaz de unir a expressividade
melódica da rumba congolesa às particularidades, maioritariamente, rítmicas do benga queniano, operando revisões tão
dramáticas que se tornava quase impossível destrinçar uma da outra. Mas claro
que a mais perversa anomalia no seu percurso terá sido a morte prematura em 1993,
aos 38 anos, quando a sua cassete “Vidonge Sitaki” vendia que nem chapatis
quentes nos mercados de Nairobi. Era, então, um regresso à popularidade obtida
dez anos antes com “Sister Pili”, o álbum agora reeditado com um par de irresistíveis
inéditos de 1977. Em quatro temas (todos a rondar os 10 minutos), o seu
barítono rivaliza guturalmente com os trémulos nas guitarras (o segundo
vocalista, Coco Zigo Mike, tratava dos agudos), faz comentário social em kiswahili, lingala e, ocasional e humoristicamente, em francês e inglês com o
zelo de um radialista local, enxuta dedicatória amorosa (Pili era, à altura, a
sua namorada) e, fundamentalmente, comunica com uma facilidade tão franca que
parece dissimular o essencial da sua produção: um inteligente modelo interpretativo
e um esquisso arquitetónico da fusão de sensibilidades das costas africanas a ocidente
e oriente.
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