5 de janeiro de 2013

“Saoco! The Bomba and Plena Explosion in Puerto Rico 1954-1966” (Vampisoul, 2012)



No capítulo inaugural de “How Music Works”, David Byrne reflete sobre o ato artístico e anuncia a seguinte tomada de consciência: “é o contexto o que em grande medida determina aquilo que é escrito, pintado, esculpido, cantado ou representado”. Ou seja, contrariando a ideia de que a arte emana, forçosamente, “de algum tipo de íntima comoção”, o fundador dos Talking Heads conclui que muitos criadores agem já de acordo com “formatos pré-existentes”. E, num primado arquitetural, dá, sob essa perspetiva, na área da música, exemplos de morfologias efetivamente adaptadas a tipologias com características singulares (o monofónico cantochão em reverberantes mosteiros, o estilhaçado punk em ‘buracos’ barulhentos mas acusticamente enxutos, o detalhista Bach em capelas barrocas, o refinado Mozart em sumptuosos salões, etc.). Yannis Ruel, o responsável pela organização desta antologia, ilustra-lhe perfeitamente a tese numa seleção que sublinha a importância de dois cruciais condicionamentos: primeiro, o advento em Porto Rico de uma cultura de entretenimento associada a casinos, hotéis e cabarés, transferidos de Cuba após a revolução de 1959, desencadeando um súbito pico na procura de orquestras e resultando numa produção sofisticada, heterodoxa e cosmopolita; e, segundo, correspondendo ao crescimento exponencial das plateias televisivas, a diluição desses conjuntos em combos de maior mobilidade, fácil disposição em palco e integral enquadramento sob um único foco de luz, de que é paradigma o de Rafael Cortijo e Ismael Rivera, dando origem a uma ação mais compacta, expressiva e reativa. E discute-se raça, imperialismo e sociedade sem se perder de vista o essencial: o impacto em costas nova-iorquinas – com a futura enxurrada da salsa – da onda que nesta dúzia de anos se ergueu no mar do Caribe.

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