No
capítulo inaugural de “How Music Works”, David Byrne reflete sobre o ato artístico
e anuncia a seguinte tomada de consciência: “é o contexto o que em grande medida
determina aquilo que é escrito, pintado, esculpido, cantado ou representado”.
Ou seja, contrariando a ideia de que a arte emana, forçosamente, “de algum tipo
de íntima comoção”, o fundador dos Talking Heads conclui que muitos criadores agem
já de acordo com “formatos pré-existentes”. E, num primado arquitetural, dá,
sob essa perspetiva, na área da música, exemplos de morfologias efetivamente adaptadas
a tipologias com características singulares (o monofónico cantochão em
reverberantes mosteiros, o estilhaçado punk
em ‘buracos’ barulhentos mas acusticamente enxutos, o detalhista Bach em
capelas barrocas, o refinado Mozart em sumptuosos salões, etc.). Yannis Ruel, o
responsável pela organização desta antologia, ilustra-lhe perfeitamente a tese numa
seleção que sublinha a importância de dois cruciais condicionamentos: primeiro,
o advento em Porto Rico de uma cultura de entretenimento associada a casinos,
hotéis e cabarés, transferidos de Cuba após a revolução de 1959, desencadeando
um súbito pico na procura de orquestras e resultando numa produção sofisticada,
heterodoxa e cosmopolita; e, segundo, correspondendo ao crescimento exponencial
das plateias televisivas, a diluição desses conjuntos em combos de maior
mobilidade, fácil disposição em palco e integral enquadramento sob um único
foco de luz, de que é paradigma o de Rafael Cortijo e Ismael Rivera, dando
origem a uma ação mais compacta, expressiva e reativa. E discute-se raça,
imperialismo e sociedade sem se perder de vista o essencial: o impacto em costas
nova-iorquinas – com a futura enxurrada da salsa
– da onda que nesta dúzia de anos se ergueu no mar do Caribe.
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