21 de novembro de 2015

"Lang Lang in Paris" (Sony, 2015)



Chopin: Scherzi; Tchaikovsky: Les Saisons
Lang Lang começa lentamente a tocar a Barcarola, de “As Estações”, de Tchaikovsky, e logo o ecrã é tomado por platitudes turísticas: o Sena cruzado por pachorrentos Bateaux-Mouches, a Pont Neuf atravessada por vaidosos pares de namorados, uma criança deslizando de trotinete até ao Quai de la Tournelle, a basílica de Sacré-Coeur, inchada como um zepelim entre as nuvens, o Génie de la Liberté, orientando o trânsito da Place de la Bastille enquanto carrega na mão esquerda as correntes quebradas do despotismo, o agulhão sombrio da catedral de Notre-Dame, o foguetão da torre Eiffel apontado ao céu lilás. A cada plano da cidade corresponde outro do pianista chinês, dependurado de umas águas-furtadas como uma górgone, sentado à mesa de um café ou admirando a vista de um terraço. De olhos bem abertos e com o cabelo cuidadosamente espetado, traz à memória um daqueles gatos que Raymond Guix pinta no seu estúdio da rua Lepic e coloca em vigília noturna por toda a Paris. Em off, fala das fortes relações entre a capital francesa e a música romântica. Mas o clima dominante é o do último verso de Pleshcheyev que, em epígrafe, acompanhava a edição original da Barcarola, um de “misteriosa melancolia”. E, de súbito, é como se através do DVD se viesse revelar uma dolorosa singularidade em cada imagem, em cada gesto e em cada nota de música. De forma inesperada, é na obra do russo (mais dedicada aos meses do ano do que propriamente às suas estações) que Lang Lang a projeta, já que no Chopin dos quatro Scherzo se esforça demasiado por introduzir um raio de sol num local em que a luz não entra.

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