5 de março de 2016

“Great Chopin Pianists: The Winners of The International Chopin Competition, 1927-2010” (2015, Deutsche Grammophon)



Pianista e pedagogo num mundo privado de poesia, o polaco Jerzy Zurawlew padecia: “O culto de Chopin tinha-se esfumado. Aliás, dava frequentemente com a opinião de que ele era demasiado romântico, que sentimentalizava a alma e anestesiava a mente. O que, por si só, e segundo vozes críticas, seria mais do que razão para lhe excluir a obra dos conservatórios. Achava este equívoco doloroso.” Decidiu-se por contra-atacar. E inspirou-se ao observar façanhas desportivas entre os mais jovens. “Organizar uma prova!”, faiscou-se-lhe na mente. Nascia o Concurso Internacional de Piano Frédéric Chopin, em Varsóvia, com edição inaugural em 1927 e concebido para se disputar a cada cinco anos. E tem-se provado que o espírito competitivo é contagioso. Só na edição de 2015 se avaliaram 450 candidatos, tendo o galardão principal ido para o sul-coreano Seong-Jin Cho. Por questões de prazos, presume-se, entre os laureados do certame é o único ausente desta antologia. Mas incluem-se os outros, os que ao longo dos anos deixaram à sua passagem a geografia sentimental da capital polaca alterada como que por um terremoto, aqueles que nunca se deixaram intimidar pela falta de intimidade da situação, os que descobriram que tocar Chopin obriga a minar reservas estratégicas de emoção dentro de si. Atente-se aos exemplos pré-históricos de Lev Oborin (Primeiro Prémio em 1927), Alexandre Uninsky (1932) ou Yakov Zak (1937): um toca o Largo da “Sonata para Piano Nº 3 em Si menor”, Op. 58, como se uma sedação lhe fosse engolindo os nervos e os músculos, outro aproxima-se do “Estudo em Dó sustenido menor”, Op. 25, Nº 7, como se apenas nesse momento despertasse a sua consciência de pianista e o terceiro namora algumas das mazurcas com a possessividade de um adolescente inseguro. São gravações históricas da Melodiya e da Polskie Nagrania que a DG resgatou. Tal como o são as de Halina Czerny-Stefanska e Bella Davidovich (vencedoras, ex aequo, em 1949), com a azerbaijana a prolongar o Allegro maestoso do “Concerto para Piano Nº 1 em Mi menor”, Op 11, tal como, depois de se pôr, o sol deixa atrás de si a luz dos seus raios, e a polaca a veicular a faustosa e anacrónica prosápia do “Concerto para Piano Nº 2 em Fá menor”, Op. 21. Após um apontamento de Adam Harasiewicz (1955) entra-se na era moderna, com Maurizio Pollini (1960): os seus “12 Estudos”, Op. 25, permitem imaginar o rosto iluminado daquele que conhece os mistérios da vida; na “Sonata para Piano Nº 2 em Si bemol menor”, Op. 35, mitiga, até, a sensação de desconsolo que habitualmente a cerca. Depois, claro, há uma Martha Argerich (1965) que deteta os pressentimentos dos “24 Prelúdios”, Op. 28, abraçando a euforia mal contida com que tenta compensar uma carência ou soltar-se de uma repressão. Há ainda por aqui Garrick Ohlsson (1970), mas é com Krystian Zimerman (1975) e Dang Thai Son (1980) que se acede a um limbo inatingível, a um som profundo que corre espavorido para longe de quem o tenta escutar. Com Stanislav Bunin (1985), Kevin Kenner (1990), Philippe Giusiano (1995) e Alexei Sultanov (1995) coroa-se o Chopin da incontinência melódica e tudo parece cíclico (os três últimos receberam o Segundo Prémio em edições sem vencedor, o que compromete tecnicamente o subtítulo da compilação). Yundi Li (2000) e Rafal Blechacz (2005) mantiveram-se presos à Terra. Mas Yulianna Avdeeva (2010) apaga a sombra que arranhava a luz da eternidade num recital que torna a urdir a grande ilusão de Chopin. Inédito, vale pela caixa inteira.

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