19 de março de 2016

Kenny Barron Trio “Book of Intuition” (Impulse!, 2016)


Na fotografia da capa estão de fato e gravata cor de laranja Impulse a condizer, um trio de capangas em campanha eleitoral a observar dos bastidores o discurso do caudilho. À direita, com 72 anos e uma daquelas cabeças rapadas em que se vislumbra o pensamento, está Kenny Barron. E só ele, agora, através de um título tão oximorónico, para opor o esforço da intuição ao da informação. Não obstante, e unicamente para o contrariar, imagina-se um batalhão de dedos sedentos a ziguezaguear por teclados de computador como matilhas de cães sabujos a esquadrinhar uma propriedade. Isto, porque através dessas diligentes buscas se costuma ir de encontro a prodigiosos achados: no caso, que em compasso de samba se escuta aqui uma ‘Dreams’ que pela primeira vez se ouviu em “Feelin’ it Together”, de 1974, então um veículo para a flauta de James Moody no qual Barron tocou piano elétrico; ou, por exemplo, que este alatinado ‘Bud-Like’, já de si uma variante daquele delirante ‘Un Poco Loco’ que, quiçá sem ironia, Bud Powell estreou em 1951, remonta a “At the Piano”, o disco a solo de designação redundante que Barron gravou em 1981 para a Xanadu e que a Elemental reeditou há pouco. 

Como se sabe, a crítica de jazz faz-se com frequência de coisas assim. Mas mais interessante seria concluir que não há maior prova de fidelidade a este remoto repertório do que testar-lhe a flexibilidade. Ou, até, notar que estas incursões de Barron pela América do Sul – que remontam ao seu alvor discográfico mas que ganharam expressão em “Sambao” (1992), “Canta Brasil” (2002) ou na forma em como tocava Johnny Alf com os The Brazilian Knights (2013) – nada possuem de clandestino, que de modo algum são como os amuletos que os turistas contrabandeiam nas suas maletas. Aliás, a própria ‘Magic Dance’ com que este “Book of Intuition” se inicia possui o andamento dessa música que se foi desenvolvendo no Rio de Janeiro pelas casas das tias baianas. O disco passa ainda por Monk antes de terminar com ‘Nightfall’, de Charlie Haden, um manto de seda feito à medida dos corpos que diariamente vamos deixando pela Terra.

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