15 de setembro de 2018

Henry Threadgill 14 or 15 Kestra: Agg "Dirt… And More Dirt" (Pi Recordings, 2018)

Desde 1980 patente num prédio do bairro nova-iorquino de SoHo, a “Earth Room”, de Walter De Maria, cifra-se numa ampla sala exclusivamente preenchida por uma camada de terra com cerca de 50 cm de altura e 130 t de peso. Trata-se de uma peça destinada a poluir os sentidos: representará o fio do horizonte, uma meditação sobre a morte ou um alerta face à iminente e absoluta esterilidade da natureza? Ou será, ao invés, um telúrico concentrado da força de produzir, um instantâneo de um estado físico antes de passar a outro, um registo do permanente movimento da vida ou de um tempo que não se pode medir? Questões que se diria terem sido transferidas por Stephen De Staebler para o corpo humano através das suas totémicas figuras em cerâmica, tão capazes de contaminar a imaginação quanto o barro na Bíblia, nos versículos do oleiro: no limite, referir-se-ão a constituintes orgânicos que medram ou que murcham, que frutificam ou que definham, que se formam ou que se fragmentam, que se petrificam ou pulverizam? Seja como for, resistem a qualquer tipo de catalogação. São o que são, tão difíceis de definir como o elemento que invocam quando desprovido de uso, um solo que não se prende ao chão, que é só paisagem. 

Agora, em notas de apresentação, neste CD, Threadgill reclama a arte de um e de outro como influência. E, na verdade, também a sua música se vem revelando mais leve à medida que se adensa de mistérios. Pegando em algo que disse, conforme contou em entrevista, à “Wire”, terá aprendido com o exemplo de Elliott Carter, cuja obra foi-se com os anos refinando, em contraste com a acumulação de experiência de vida. E é possível dar-se em “Dirt… And More Dirt” por aquela “modulação métrica” de que falava Carter, com o andamento a abrandar e a acelerar de modo inesperado, quase de compasso a compasso. Mas tudo isto está muito cheio da história do seu autor para que se pareça com a música de mais alguém: aqui, ritmos latino-americanos, caribenhos e indianos lembram que Threadgill viveu em Caracas, Antilhas e Goa. Ali, estranhos intervalos, como se as notas caminhassem sobre pernas de tamanhos diferentes, trazem à memória o interesse de Threadgill por modalismos folclóricos da Europa de Leste. Solos exaltantes e explosivos recordam a sua associação à igreja, enquanto jovem, ao lado de um prodigioso orador que tinha a alcunha de “bomba atómica”. Enfim, há muitas partes. Mas, ao contrário do que faziam Maria e Staebler, nenhuma delas deixa efetivamente de pertencer a um todo.

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