16 de junho de 2018

Brad Mehldau Trio “Seymour Reads the Constitution!” (Nonesuch, 2018)

Este Seymour que lê a Constituição dos Estados Unidos é Philip Seymour Hoffman, não Seymour Skinner (o diretor da escola primária de Springfield, em “Os Simpsons”, cujo bárdico e patriótico barítono assentaria que nem uma luva à missão), nem Jane Seymour (que no papel principal de “Doutora Quinn” se rebelou contra aqueles que achavam que não poder negar ou restringir o direito ao voto por motivos de “raça, cor ou condição de servidão” ou “por motivo de sexo” também já era demais). Trata-se, portanto, de uma terceira opção. Mas, isto, dos sonhos, não se controla, e foi num sonho que o ator se manifestou no inconsciente de Mehldau, conforme em notas de apresentação ele conta no seu site: “[Seymour] lia num tom constante mas algo melancólico, estóico e resignado a uma sua vez. Por trás da sua voz estava a melodia do que viria a ser ‘Seymour Reads…’, de que tomei nota ao acordar.” E duas semanas depois de Mehldau ter tido este sonho Seymour Hoffman era encontrado morto. 

Então, o que entretanto mudou para, só agora, vir o pianista contar esta história? O presidente, claro. O que quererá dizer que, tendo em conta os recentes atropelos de Trump ao espírito da Constituição, o sonho ascendeu à categoria de profecia (precisamente o tipo de discurso que levou a que um “crédulo grupo de cristãos” elegesse um “mentiroso adúltero”, admite Mehldau). Refletindo sobre tudo isto, agora, ocorre-lhe à ideia a diferença considerável entre “a contenção, a reserva e a capacidade de introspeção” do orador e o “feed tagarela desse palhaço a que diariamente estamos sujeitos”, que Hoffman lhe surgiu em sonhos para dizer: “Boa sorte, pessoal. Se não se importam, desta vez fico de fora.” Esperar-se-ia, por isso, um disco lúgubre, quando, quiçá em nome desse tal contraste, o que aqui está é o oposto, com ‘Almost Like Being in Love’ (Lerner & Loewe), ‘Friends’ (Beach Boys), ‘Great Day’ (Paul McCartney) ou ‘Beatrice’ (Sam Rivers), temas que garantem não estarmos sozinhos no mundo mesmo quando o universo parece conspirar contra nós. Isto, além de três originais de Mehldau: intrincados labirintos que só contrapontísticos exercícios de fuga conseguem iludir. Ele quer mesmo dizer-nos alguma coisa.

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